Amigo de Lula está entre desabrigados das cheias

20 / 09 / 10

Em 19 cidades, 1.200 barracas recebem flagelados e milhares esperam vagas; 41 mil m² foram destruídos e prejuízos chegam a R$ 1 bilhão

As 152 barracas surgem em fileiras como ruas, com varais na parte de trás. Café e sopa são doados e o almoço vem na marmita comprada pelo governo. A higiene limita-se a banheiros comunitários. Quem observa de longe a cidade de Branquinha imagina que se trata de um acampamento. Mas é tudo o que sobrou para centenas de desabrigados das enchentes que, há três meses, devastaram 19 municípios de Alagoas. E a situação não tem prazo para mudar.
Na terça-feira, será prorrogado por 90 dias o estado de calamidade pública em Branquinha e mais 14 cidades alagoanas – outras quatro seguem em situação de emergência. Enquanto aguardam as casas de 64 m² que estão para ser construídas com a ajuda do governo federal, os flagelados vivem em 1.200 barracas de lona doadas pelo Rotary Club Internacional e pela Defesa Civil. E ainda faltam montar 1.400 para abrigar as famílias que prosseguem “acampadas” em escolas, ginásios de esportes e outros equipamentos públicos.
Somente agora o poder público conseguiu fazer o balanço dos prejuízos com a chuva. As perdas chegaram a R$ 1 bilhão (apenas a destruição de prédios públicos e estradas alcançou 41.155 m²). O número de mortos chegou a 27, mas dezenas de desaparecidos seguem com situação “em aberto”.
A face mais visível da tragédia continua a ser as barracas, usadas anteriormente em períodos menores para vítimas de terremotos (como no Haiti e no Chile), que devem receber a maior parte das 17.938 famílias alagoanas que perderam tudo – até os documentos.
São casos como o da dona de casa Mônica dos Santos Rodrigues, 31 anos. Ela está alojada em uma das barracas com o marido, Edvaldo Silva Rodrigues, 40 anos, e os três filhos. Desempregado e quase cego de um olho, Edvaldo tenta uma aposentadoria no INSS, mas é tanta a documentação exigida que ele está quase desistindo. Por isso, tenta também reinserir a mulher no Programa Bolsa Família, mas não tem sido fácil. “A gente morava na Rua da Várzea, na beira do rio Mundaú. Quando a cheia veio, a gente perdeu tudo”.
Durante o processo de ocupação das tendas, as centenas de voluntários da Defesa Civil procuraram colocar as famílias que moravam na mesma rua – destruída pelas enchentes, numa cidade que literalmente foi riscada do mapa – nas barracas vizinhas. “Fizemos de tudo para manter as pessoas perto umas das outras, para aliviar a tensão provocada pela mudança. Mesmo assim, as pessoas reclamam que estão distante de tudo”, diz a voluntária Maria Denise da Silva.
“Aqui a gente não pode fazer uma comida, não pode criar um animal, não tem um terreno para plantar uma verdura, não tem um pé de fruta”, corrobora o agricultor José Ferreira da Silva, de 53 anos, com o neto de cinco meses de vida no colo.
“Estamos isolados de tudo e de todos, mas fazer o quê. A gente que perdeu tudo com a cheia só tem que se conformar e esperar a casa que o governo nos prometeu”, emenda a nora de José, a dona de casa Silvana da Conceição, 25 anos, mãe de cinco filhos.

Amigo de Lula está no Aluguel Social
Casa de Sebastião foi destruída pelo Rio Mundaú

Aos 69 anos, Sebastião Antônio do Nascimento foi entrevistado na semana passada pelo recenseador do IBGE para o Censo 2010. Sentado na varanda do que sobrou de sua casa, na rua principal de Branquinha, Sebastião passava as informações sobre a família e contava como perdeu tudo com a última cheia do Rio Mundaú.
“A cheia chegou de surpresa, a água subiu tão rápido que não deu tempo tirar nada, diz o operário aposentado, que conta que foi amigo do presidente Lula, quando estudaram juntos no senai de São Paulo.
“Naquela época, o Lula fazia curso de torneiro mecânico e eu estudava para mecânico industrial. Mas a gente se conhecia. Quando chegava a hora do intervalo, enquanto a gente ficava jogando conversa fora com os amigos, ele se reunia com alguns colegas para estudar política nos livros e jornais sindicais. Depois a gente nunca mais se viu. Fui trabalhar em uma empresa em Guarulhos e depois, transferido para Minas”.
afirmou seu Sebastião, que depois da tragédia está morando com a mulher e um netinho numa casa alugada pela Prefeitura porque a sua residência foi parcialmente destruída.
O teto de lage da casa de alvenaria está todo mofado e ainda guarda as marcas das águas do rio Mundaú. “A enxurrada foi tão forte que arrastou um monte de tralha para cima das casas. Quando a água baixou, os ladrões reviraram os telhados das casas à cata de fogões, geladeiras, aparelhos de tevê, ventiladores e outros utensílios domésticos que a cheia arrastou.
Seu Sebastião mostra o curativo no braço esquerdo e diz que é por ali que seu sangue é filtrado, em sessões de hemodiálise a que precisa se submeter três vezes por semana, na Santa Casa de Maceió. “Os meus rins já não funcionam mais e a minha vista também não”. Por conta dos problemas de saúde, ele não foi morar nas barracas de lona no acampamento dos desabrigados. Ele está morando com a família em uma casa alugada pela Prefeitura de Branquinha.

Só balseiro improvisado, sem salário, ‘une’ a cidade

Quem mora ou trabalha do outro lado do Rio Mundaú, que corta Branquinha, ficou isolado depois que a enxurrada levou a principal ponte do município, que ligava o Centro à Zona Rural, onde ficam os sítios, as fazendas e os assentamentos dos sem-terra.
Para atravessar para o outro lado do rio, as pessoas se arriscam usando uma balsa improvisada pela prefeitura. O barqueiro José Márcio dos Santos, de 21 anos, mostra as mãos calejadas, marcadas pelo prateado do cabo de aço que ele usa como guia, para controlar a embarcação.
Ele trabalha cerca de 18 horas por dia – das 5 horas até de noite – e não tem salário: ganha gorjeta das pessoas que ajuda a atravessar o rio. Diz que foi a prefeitura que mandou fabricar a balsa.
“Essa agora é boa, é segura, mas a outra não aguentava peso, virou com quatro pessoas em cima e duas bicicletas. Felizmente, ninguém morreu, porque a balsa estava na beira do rio quando virou”, lembra o barqueiro.
Com a filha Gabriela nos braços, Maria de Lourdes Alves da Silva, 35 anos, aguarda o momento da travessia. Ela diz que vai visitar a irmã que mora do outro lado do rio. “Moro perto da Delegacia. No dia da cheia, a água cobriu a minha casa. Nós perdemos quase tudo que tínhamos. Só deu tempo sair de casa e ir buscar abrigo na parte alta cidade” conta. “Felizmente, quando a água baixou, deu para recuperar a casa e não precisamos ir para os abrigos”.

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