Magistério tem dificuldade de atrair jovens para a carreira
Os alunos que entram nos cursos de pedagogia são, em geral, aqueles com baixo desempenho no vestibular ou no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
Quase 2 milhões de professores trabalham nas salas de aulas de escolas públicas e particulares de educação básica no país. Se a profissão já teve grande importância no passado, hoje é difícil atrair jovens talentos para a carreira, avaliam especialistas no Dia do Professor, comemorado hoje (15). Os alunos que entram nos cursos de pedagogia são, em geral, aqueles com baixo desempenho no vestibular ou no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Uma análise dos inscritos para a edição do exame em 2007 mostra que, entre os candidatos com pior nota, a probabilidade de um deles escolher o magistério é três vezes maior do que entre aqueles com melhores notas. Quem ingressa nos cursos de pedagogia, que formam os professores da educação infantil e do ensino fundamental, tem um perfil específico: baixo nível socioeconômico e pais com escolaridade baixa.
Dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) mostram que 41,6% dos estudantes de pedagogia têm renda mensal até três salários mínimos e quase um terço (32,1%) concilia os estudos com o trabalho para contribuir com o sustento da casa. Os pais de quase metade dos alunos têm grau de escolaridade baixo: 46,5% estudaram só até a 4ª série do ensino fundamental e quase 70% cursaram o ensino médio integralmente em escola pública. Os dados referem-se ao Enade 2005, os mais recentes disponibilizados pelo Ministério da Educação (MEC).
O assessor especial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Célio da Cunha, alerta que o problema de desvalorização é antigo. “A universalização do ensino fundamental foi feita à custa dos baixos salários dos professores. Quando se expandiu o número de escolas e fez-se a inclusão de mais alunos, ironicamente foram os professores que financiaram isso porque a expansão não foi feita melhorando a carreira e os salários”, avalia.
O resultado desse processo pode ser medido pelo desinteresse dos estudantes do ensino médio. Pesquisa da Fundação Victor Civita, realizada no ano passado com 1,5 mil jovens, apontou que apenas 2% deles querem ser professor. O conselheiro nacional de Educação, Mozart Neves Ramos, acredita que quatro ações principais podem solucionar esse quadro: melhores salários, bons planos de carreira, formação inicial sólida e condições de trabalho adequadas.
Na avaliação dele, o Brasil deveria se inspirar no que fizeram os países que hoje têm os melhores índices educacionais como Cingapura, a Coreia do Sul e Finlândia. “A gente copia tanta coisa ruim e não olha as coisas boas que estão fazendo a diferença nesses lugares. Eles conseguiram atrair 20% dos alunos mais talentosos para o magistério simplesmente com um salário inicial atraente. Esse tem que ser o primeiro passo”, defende Ramos.
Para a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda, além desses aspectos, a valorização da carreira passa pela melhoria dos índices educacionais. “Recuperar a credibilidade da escola na formação dos jovens e das crianças é um fator que pode parecer subjetivo, mas faz diferença no momento da escolha da profissão”. Pilar, que é professora de história e começou a lecionar na década de 70, acredita que a sala de aula é um ambiente de trabalho que “tem a ver com a juventude. Não existe muita rotina quando se trabalha com crianças e jovens, há uma provocação constante e permanente pela busca do conhecimento”, ressalta.
Célio da Cunha acredita também que será necessária uma mudança de cultura e da visão que a própria sociedade tem do professor hoje. “A sociedade não acordou ainda para a importância da educação e o papel estratégico do professor para o desenvolvimento do país. Se um bom aluno diz que quer ser professor, as pessoas até riem dele”, afirma.
Lei do piso nacional do magistério ainda é descumprida, dizem sindicatos
Há dois anos, no dia 16 de setembro de 2008, foi sancionada a lei que garantia um piso nacional para os professores de escolas públicas. Ela determinava que a partir de janeiro de 2010 nenhum profissional poderia ganhar menos do que R$ 950 por mês, valor corrigido atualmente para R$ 1.024. Mas uma disputa judicial complicou a implantação da lei, que ainda não é realidade em todo o país.
“A gente pode dizer que 99% dos estados não pagam o professor de acordo com a forma como a lei foi aprovada”, aponta o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Leão.
Um dos principais pontos da lei contestado por secretarias de Educação é a diferença entre o conceito de piso e remuneração. O texto coloca o valor de R$ 1.024 como vencimento inicial. Na avaliação da categoria, não poderia ser incluído no cálculo qualquer tipo de gratificação ou adicional. Mas os estados querem que a conta inclua todos os adicionais.
A lei está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), que já declarou sua constitucionalidade durante julgamento de um pedido de liminar em dezembro de 2008. Falta analisar o mérito da questão, o que deve incluir a divergência entre piso e remuneração e outros questionamentos feitos pelos cinco governadores que entraram com a ação.
“É importante que o STF paute esse julgamento o mais rápido possível para que possamos sair do limbo jurídico. O piso ainda é uma lei que está sendo aplicada de maneiras muito particulares, de acordo com cada gestor. O grande presente para o professor hoje seria que essa questão fosse resolvida pelo Supremo e a lei colocada em prática em sua plenitude, tal qual foi aprovada”, defende Leão.
O relator da ação é o ministro Joaquim Barbosa, que já concluiu o relatório, mas ainda não há data para um novo julgamento. O ministro da Educação, Fernando Haddad, sugeriu, em maio, uma mesa de negociações com as centrais sindicais, governadores e prefeitos para resolver o problema, mas até agora não houve avanços.
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