Dez anos do Guga número 1 do Mundo

03 / 12 / 10

Guga analisa carreira, vida de ídolo e revela "duelo mental" contra Nadal

O tênis brasileiro comemora nesta sexta-feira, 3 de dezembro de 2010, os dez anos da conquista do título de Gustavo Kuerten na Masters Cup de Lisboa-2000 que colocou o principal tenista da história do Brasil na liderança do ranking mundial divulgado no dia seguinte e mudou completamente o panorama da modalidade esportiva no país, além de transformar Guga em ídolo nacional.

Em entrevista ao UOL Esporte, Guga analisou as partidas que lhe fizeram chegar ao topo do tênis mundial no torneio disputado na capital portuguesa, quando após ter iniciado sua campanha com derrota ele se recuperou e venceu todos os duelos restantes.

Gustavo Kuerten faz um balanço ainda da forma como lida com status de ídolo brasileiro que chega ao status de Ayrton Senna e Pelé, além de revelar uma curiosa situação de quando vê as partidas do espanhol Rafael Nadal, atual número um do mundo, que assim como Guga é chamado de “rei do saibro”. Sem ter tido um confronto com o espanhol, Guga encara mentalmente as partidas do “rival”.

UOL Esporte – Quando você entrou na Masters Cup, não era o favorito a ganhar. Na primeira partida sofreu dores contra Agassi e perdeu. Em seguida você ganha de Norman, Kafelnikov, Sampras e Agassi sendo o único que venceu Sampras e Agassi. Como conseguiu superar aqueles problemas para chegar a aquilo que não esperava?

Gustavo Kuerten – Na verdade é um pouco inexplicável assim de fatores incríveis, mas começa por uma ajuda do torneio e da ATP em providenciar um dia de descanso. Só um jogo do meu grupo não ia ser feito no dia seguinte que eu perdi para o Agassi. Poderia estar jogando naquela situação e não teria como. No outro dia estava todo travado, duro pra caramba e não só a parte física do jogo me incomodou, mas também a partida teve uma parte psicológica que afetou bastante, que foi eu estar ganhando com facilidade e a torcida começar a incentivar o Agassi para que o jogo não acabasse. Eu não entendia aquilo jogando em Portugal. Por mais que eu tenha saído da quadra desacreditado e com a dúvida se iria conseguir jogar mais um jogo, a maior chance era de não ter jogado, mas quando eu entrei na quadra contra o Norman me senti em condições de fazer uma boa partida e completar minha participação no Masters, ganhei com facilidade do Norman. Aí passei do Kafelnikov também em dois sets e se transformou em um novo campeonato. Quando entrei na quadra contra Sampras, o Safin tinha perdido, eu poderia voltar a me iludir com a sensação de ser número um. Nunca tinha ganhado do Sampras o que para mim ficou mais difícil naquele jogo, eu entrei nervoso. Depois fui me encontrando e cheguei a um final muito emocionante. Fui para a final contra o Agassi com alguns pontos em particular. O primeiro deles de saber que a torcida em alguns pontos poderia pender mais para ele, pois é um cara muito carismático e atraente. Precisava ser curto o jogo, quatro sets era difícil, cinco então impossível suportar. Dentro de um plano de jogo, foi a melhor execução que eu podia conceber e mediante a todas as funções que eu estava gerenciando ali. Ficou assim a maior performance que eu tive dentro de uma quadra de tênis e conseguir fechar dessa maneira, conseguindo ser número um do mundo ganhando de dois caras que, jamais aconteceu esse fato na semifinal e final de um evento, para mim ainda que quando era criança vi eles ganhando todos esses campeonatos, tudo isso foi bastante empolgante com a minha família curtindo bastante. Esse é um resumo da semana que transformou de um turbilhão, um furacão que me deixou desnorteado até um alcance de uma certa forma inesperado, inexplicável e incontestável no final porque eu acabei tendo que enfrentar todos os caras.

UOL Esporte – A partir daquele momento, a insegurança de quando entrava em quadra acabou dali para a frente? Foi uma marco na sua carreira, que a partir dali não temia mais nada?

Gustavo Kuerten – Tem situações que nesse caso é extremo. Era um cara de quem eu nunca tinha ganho e um cara que é uma ilusão para mim, no tênis ele tem um valor simbólico de extrema importância. Ganhar a primeira vez de um cidadão, por mais que seja um desconhecido, é algo estranho, porque é uma coisa que nunca aconteceu. Então isso por si só ele ainda se mantém, é claro que em uma dosagem menor ou maior, é que essa chega ao extremo. Mas ali até com o Agassi cheguei a esse mesmo padrão porque eu não tenho controle de ganhar e ele também não sabe se vai ganhar de mim. A gente quer acreditar que sim, agora tudo isso a gente acostuma um pouco com essa margem de saber respeitar mais o cara, mas acreditar em mim. Agora, antes de ganhar do adversário pela primeira vez, como foi o caso do Sampras, aí tem uma dificuldade ainda, um degrau a mais, de construir aquela situação. É claro que não foi ali que mudou, bem antes eu consegui me adaptar a diversas ocasiões como essa e consegui lidar muito bem. Mas ainda faltava esse cara que é dos maiores que eu joguei e eu já tinha jogado com todos os outros caras que foram número um do mundo e era o único que eu tinha ganho.

UOL Esporte – Você quando conquistou o título, homenageou sua mãe [Alice Kuerten], o Larri [Passos, treinador] e disse ser o dia mais feliz de sua vida. De lá para cá são dez anos, algum dia conseguiu superar aquilo?
Gustavo Kuerten – Não (risos). Eu considero esses marcos de felicidade naquele dia os mais importantes. Como aconteceu comigo três vezes em Roland Garros não foram menos felizes que esse momento e às vezes vitórias como aqui na minha despedida que eu ganhei uma partida e em Roland Garros que eu perdi a partida e estava emocionado também e aí entra para um lado pessoal, então tem diversas vertentes que dá para atacar. Mas o ano que eu fiz o coração contra o [Michael] Russell em Roland Garros, para mim era mais energia ainda, uma sensação de felicidade ainda maior, só que depois as lembranças ficam como a conquista, as imagens, mas aquilo por si, o vínculo com as pessoas para chamar de felicidade o sorriso e a alegria é algo bem de momento mesmo e aquela expansão toda. Então não considero assim que seja um mais do que o outro, talvez tenha uma energia diferente aqui, tenha mais pessoas do outro lado, outras que não estão em contato com a família, estão só na parte mental. Mas para o profissional chegar em situações como essa no Grand Slam ou ali que tinha toda uma situação como essa com o número um envolvido, a luta que foi para chegar lá, aí transforma num grau de conquista muito grande e vem da conquista pessoal. Então é realmente quase imbatível esse momento para mim. Ainda envolvendo esse lado profissional e criterioso específico, é o principal momento da minha carreira, sem dúvida.

DUELO COM RAFAEL NADAL

Cada vez que vejo ele jogando um campeonato desses que eu sempre tive sucesso, os principais que eu ganhei, na cabeça já começa a vir jogadas para enfrentá-lo (risos). E se eu fizesse isso, para lá, para cá… Acho que teria sido realmente marcante, teria sido uma rivalidade duradoura que marcaria o tênis por um processo de tempo longo, que nem houve outros assim que está acontecendo com ele e o Federer, Sampras e Agassi, Becker, McEnroe e Borg, acho que seria um confronto desse nível aí

UOL Esporte – Você é colocado em um patamar de idolatria comparado a Pelé e Ayrton Senna. Como é para uma pessoa simples, de um modo geral, ser tratado de uma forma tão especial, com uma idolatria tão grande?
Gustavo Kuerten – É complexo, até o ponto de no começo não entender porque que já de cara as pessoas tinham bastante esse tipo de comparação com o Senna principalmente porque era o mais recente e com o Pelé, óbvio. E não é confortável saber lidar com aquilo, eu me achava muito distante de toda a conquista deles, acho que até entender que isso vai além também de resultados, do contágio com a pessoa, a forma que influência, a interferência que tem com quem está assistindo, porque se olhar a minha carreira, o processo em específico meu foi muito intenso e também não tão prolongado. Para ter esse impacto mesmo com as pessoas é um espaço pequeno. Todo mundo está influenciado e digerindo ainda essa situação. Nos lugares que eu vou, ainda continuo a ficar espantado por vezes, mas antes mais. Hoje dá para entender mais que é muito na linguagem que a forma do cara ser, viver e estar também, a minha alegria e meu sorriso trazia muito disso, a auto-estima para eles se apoiarem também nessa figura, então traz um braço maior que acho que sai do expoente esporte e entra como um irmão, um amigo, um conforto. Agora, no fundo o que mais acaba ajudando, o que mais eu valorizo é a certa honra de poder ter essa influência, a oportunidade de estar tão intensamente em contato com as pessoas. Então isso ameniza a complexidade de lidar com o expoente que vai além de qualquer ser humano. É uma equação assim bastante diferente, não é fácil de estar lidando e ao mesmo tempo é gostoso. É como se fosse uma conquista pessoal, eu levo por esse lado, que serve de conforto para a dificuldade que é de estar gerenciando nesse aspecto porque minha vida é muito simples, no dia a dia, eu não me valorizo como o Pelé e o Senna, nem gosto de pensar dessa forma. Mas ao mesmo tempo, sei que também é pertinente esse tipo de comparação. Acho que aos pouquinhos a maturidade ajuda e o melhor fator acho que é o orgulho, para mim sempre foi o orgulho de estar próximo do desempenho deles e são pessoas que simbolizam muito para mim, são ídolos, exemplos assim como outros porque eu também tenho exemplos de pessoas que são menos conhecidas, que são amigos, que são simples, que tem pouco dinheiro, de diversas classes sociais, então ameniza um pouquinho para eu poder me comparar a eles também.

CASAMENTO E FAMÍLIA

É bacana poder estar mais em casa, estar mais em contato com família, amigos, poder projetar ter uma família também, que é interessante, que eu quando vivia no circuito competindo jamais pretendi casar, ter filhos, porque não era aquilo que eu observava como interessante para a formação dos meus filhos e hoje sim
Casa se casou com Mariana Soncini no dia 3 de novembro deste ano em Florianópolis

MELIGENI FAZ HOMENAGEM A GUGA

UOL Esporte – Com a figura que você representa e o tênis brasileiro desde o Guga é uma cobrança para ter tenistas. Você tem participado dos projetos olímpicos, acompanhado os confrontos de Copa Davis. Você elaborou um projeto de desenvolvimento do tênis?

Gustavo Kuerten – Dentro dessa influência que eu exerci sobre o tênis, tem o meu amigo que é brincalhão que fala: ‘Foi bom, mas foi ruim’. Porque tem um lado todo de interesse e ganhos que o tênis tem e que são muito maiores e tem essa comparação e cobrança com uma pessoa, um personagem que é diferenciado ainda dos que vão bem. Acho que por esse lado, hoje tem prejudicado um pouco esse nível de comparação. Poxa, o Thomaz Bellucci é um exemplo claro, ele é o segundo melhor ranqueado da história do Brasil no tênis masculino e aparentemente é um cara que não é considerado como tal. Aparentemente tiveram outros jogadores com mais conquistas que ele, o que no papel não é o que está acontecendo. E não muito, totalmente por causa dessa comparação, que não basta ser número dez, tem que ser número cinco, ser número um, ser carismático… Pô, aí começa a chegar em um grau exigência muito grande que é uma das coisas prejudiciais, tem outras também. Formas de treinamento, as suposições que as pessoas passaram a ter de que tênis tem que ser assim, tem que ser assado. Então tudo isso a gente está tentando quebrar esses paradigmas e atacando do lado positivo, que no tênis o investimento hoje é muito maior, o interesse no esporte está gigante, tem as Olimpíadas que podem ser um facilitador, o Brasil que está em um momento financeiro extremamente eficiente, então hoje a gente vê que é um momento especial para o tênis, para o esporte em si, porque quem está vinculado, é uma hora de atacar, de fazer coisas boas, de tentar transformar.

UOL Esporte – Você jogou com o Bruguera no ano passado, depois com o Kafelnikov e agora com o Agassi. E você há dez anos era o número um, hoje é o Rafael Nadal. Dois jogadores de saibro que conquistaram todos os grandes títulos de saibro. Você imagina o que seria um confronto com o Nadal? Pensa em um dia fazer um amistoso com ele?

Gustavo Kuerten – Acho que cada vez que vejo ele jogando um campeonato desses que eu sempre tive sucesso, os principais que eu ganhei, na cabeça já começa a vir jogadas para enfrentar ele (risos). E se eu fizesse isso, para lá, para cá… Acho que teria sido realmente marcante, teria sido uma rivalidade duradoura que marcaria o tênis por um processo de tempo longo, que nem houve outros assim que está acontecendo com ele e o [Roger] Federer, [Pete] Sampras e [Andre] Agassi, [Boris] Becker, [John] McEnroe e [Bjorn] Borg, acho que seria um confronto desse nível aí. Para mim a ideia é tentar jogar mais com esses jogadores que estão ainda em atividade, eu me sinto bastante preparado para enfrentá-los, a única dificuldade que eu tenho ainda é o meu problema específico no quadril, que ele que determina a forma que eu posso jogar, a quantidade e contra quem também porque se não eu estaria nesses últimos seis ou oito anos enfrentando o Nadal com frequência, tendo que correr pra caramba para pegar bolas dele, mas também botando ele em apuros. Com certeza é o que mais causa interesse não só na perspectiva das pessoas, mas na minha também para o que seria. É muito próximo ainda, a mesma geração praticamente e por uma casualidade pontual nós não nos enfrentamos e de uma maneira justa também porque até nos últimos dois anos que joguei muito pouco, se tivesse jogado com ele não teria sido uma referência verdadeira. Todo mundo fica nesse pesar, inclusive eu. Também de uma certa forma, porque durante o jogo eu ia acabar reclamando bastante (risos).

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