Índia alerta para possível conflito por terras em AL

24 / 08 / 11

Raquel Xucuru/Kariri chamou a atenção das autoridades em entrevista à imprensa, durante curso de ‘Gênero, Raça e Etnia para Jornalistas’

A índia Raquel, de 37 anos, da tribo Xucuru/Kariri, disse ontem à noite (23/08), em entrevista aos participantes do curso de ‘Gênero, Raça e Etnia para Jornalistas’, que várias lideranças indígenas de Alagoas estão ameaçadas de morte por fazendeiros e posseiros da região de Palmeiras dos Índios, que reivindicam as terras que pertencem à tribo.

De acordo com Raquel, a demora do governo federal em definir a demarcação das terras dos índios tem provocado o acirramento dos ânimos entre os fazendeiros e os integrantes da tribo. A liderança Xucuru/Kariri alerta para a iminência de um conflito sangrento, caso não seja feito nada para garantir as terras da tribo.

Segundo ela, uma audiência marcada para esta quinta-feira (24/11) pelo Ministério Público Federal, em Palmeira dos índios, vai tentar resolver a questão de forma pacífica. A audiência, convocada pelo MPF, vai ouvir todos os envolvidos na questão, com o objetivo de encontrar uma saída para o impasse.

Os índios Xucuru/Kariri reivindicam 37 hectares de terras, mas a FUNAI – “pressionadas pelos fazendeiros e pelos políticos da região – só quer destinar à tribo 7 mil hectares. Como a questão se arrasta por vários anos sem solução, o impasse tem provocado troca de acusações entre índios e fazendeiros.

“Já tivemos índios desaparecidos, índios mortos e agredidos a mando dos posseiros, que insistem em permanecer ou tomar as nossas terras”, desabafa a índia Raquel. Segundo ela, o cacique da Fazenda Canto foi assassinado e um índio liderança Xucuru/Kariri está desaparecido desde 1994.

Demarcação

“A nossa primeira demarcação foi feita em 1822, mas de lá para cá, já tivemos muitas terras invadidas e tomadas pelo homem branco. Hoje, lutamos pela demarcação de 37 hectares de terras que pertencem historicamente a tribo Xucuru/Kariri. Essa quantidade de terra foi reduzida depois para 17 mil, depois para 15 mil e agora, desrespeitosamente, a FUNAI – Fundação Nacional do Índio – só quer nos destina 7 mil hectares”.

“Sem essa demarcação, a luta vai continuar. Infelizmente, o governo tem nos jogado a mercê dos fazendeiros e posseiro”, afirma Raquel, que é irmã de Maninha, grande liderança Xucuru/Karari. Segundo Raquel, a morte de Maninha, em outubro de 2006, ainda hoje é um mistério. “A gente não sabe do que ela morreu, porque até hoje essa informação não consta no atestado de óbito dela”, afirmou.

Para Raquel, Maninha morreu por falta de assistência no Hospital de Palmeira dos Índios. “Quando a gente levou ela para o hospital, ela chegou com vida, falado com ca gente, mas logo depois veio a notícia da morte dela, sem nenhuma explicação. A gente só ouvia o médico dizer que não sabia que era a Maninha, porque se soubesse era para dar atenção total a ela”, revelou Raquel. “Eu costuma dizer que o sistema assassinou Maninha”, acrescentou.

Segundo Raquel, até hoje sua irmã não teve direito ao atestado de óbito. “Por isso eu digo: mataram Maninha, e não foi um nem dois, foram várias pessoas, porque era do interesse deles ter Maninha assassinada”. Ela disse também que antes de levar a irmã para o Hospital de Palmeira, passou numa clinica particular e o cardiologista mandou levá-la imediatamente ao hospital. “Sofremos agressão. Até hoje sofremos ameaças. Eles ligam para a gente pedindo os nomes das lideranças, isso não é do interesse deles, porque eles querem os nomes das nossas lideranças?”.

A índia reclamou também da postura dos políticos da região de Palmeira, com relação a luta dos índios por suas terras e por politicas públicas: saúde, educação e assistência social. “Os políticos de Palmeira são os posseiros, são os latifundiários das nossas terras. O prefeito (James Ribeiro) tem uma fazenda vizinho a minha aldeia, mas nunca teve acesso nenhum à tribo. Os políticos só aparecem na época das eleições, para fazer promessas, em busca do voto”.

Histórico

“Desde 1822, ou desde a invasão do Brasil, que os índios lutam para manter o seu território. Porque ser índio é ter terra, não existe índio sem terra, porque nossa única fonte que nos alimenta e nos sustenta é a terra. Infelizmente, quando invadiram o Brasil tomaram todas as terras dos índios. Isso ocasionou mortes e exterminação de milhares de índios. Por isso, hoje nós temos várias indígenas extintas, justamente por falta de terra, do seu espaço”, afirmou Raquel.

“A relação do índio com a terra é diferente da relação do homem branco com a terra. Enquanto o índio quer a terra para morar, trabalhar, tirar seu sustento e ver o mato crescer, o homem branco quer a terra para acumular riqueza, plantando cana, montando usina e explorando a mão de obra dos trabalhadores rurais. Como a gente não quer a terra para isso, o homem branco chama os índios de preguiçosos. Desde o descobrimento do Brasil que levamos a fama de preguiçosos. Mas isso não corresponde com a realidade. Nós trabalhamos, explorando a terra apenas para o nosso sustento, por isso temos o maior respeito por ela”.

Gênero, raça e etnia

O curso ‘Gênero, Raça e Etnia para Jornalistas’ foi realizado em oito capitais brasileiras pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), em parceria com os sindicatos da categoria e a ONU Mulheres – entidade das Nações Unidas para Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres.

No final do curso, todos os participantes receberam certificação da FENAJ e da ONU Mulheres. Além de Maceió, o curso foi realizado em Belém (PA), Fortaleza (CE), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP).

Em Maceió, o curso foi realizado no auditório da Faculdade de Educação e Comunicação do Cesmac, no Farol. “Foram duas noites de muito aprendizado e discussões sobre o comportamento da mídia diante das questões envolvendo gênero, raça e etnia. Portanto, estamos felizes com o resultado do evento”, afirmou a presidente do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, Valdice Gomes.

Consultora

A jornalista baiana Cleidiana Ramos, que tem mestrado em Estudos Étnicos e Africanos pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH) da UFBA, foi a facilitadora do curso na capital alagoana. Atualmente, Cleidiana trabalha como repórter especial do jornal A Tarde, na Bahia, onde realiza cobertura especializada em temas ligados a identidade negra, cultura afro-brasileira e religiosidade.

A consultora é escreve também para o blog Mundo Afro, especializado em temas relacionados a identidade negra, cultura afro-brasileira e religiosidade, hospedado no Portal A Tarde Online, do Grupo A Tarde.

Programa

O programa do curso foi baseado em dois módulos e duas atividades pedagógicas: Gênero, Raça e Etnia em Sociedade; Jornalismo, Ética e Diversidade; Leitura Crítica da Mídia; e Experiências e Trajetórias Locais: Identificando Novas Fontes. O curso teve como objetivo preparar jornalistas, profissionais da imprensa e estudantes de Jornalismo para a cobertura de pautas relacionadas a gênero, raça e etnia.

A iniciativa faz parte da cooperação estabelecida entre a FENAJ e a ONU Mulheres, celebrada no 34º Congresso Nacional dos Jornalistas, para o pleno cumprimento dos princípios dos direitos humanos e marcos internacionais referentes ao gênero, raça e etnia no Brasil e no mundo à luz da liberdade de imprensa. Conta com o apoio da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e da Secretaria de Políticas para as Mulheres.

O curso foi desenvolvido com assessoria técnica e financeira do Programa Regional de Incorporação das Dimensões de Gênero, Raça e Etnia nos Programas de Combate à Pobreza da Bolívia, Brasil, Guatemala e Paraguai e do Programa Interagencial de Gênero, Raça e Etnia do Sistema ONU no Brasil, financiado pelo Fundo para o Alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Não por acaso, o curso ocorreu justamente no âmbito das atividades do Ano Internacional das e dos Afrodescendentes, estabelecido pelas Nações Unidas, e da Campanha do Secretário-Geral da ONU “Brasil: Una-se pelo fim da violência contra as mulheres”.

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