Somente 0,02% dos presos fazem graduação

21 / 02 / 12

Mesmo com incentivo do Enem, número ainda é baixo. Jovens que conseguem vencer o preconceito e estudar se tornam exemplos

Eric Barbosa*, 27 anos, já foi vigilante, motorista de van, cobrador de ônibus, segurança. Tornou-se presidiário e, hoje, é exemplo a seus ex-companheiros. Eric é um gestor em recursos humanos e trabalha no Ministério da Justiça. Cumpriu suas dívidas com a Justiça e tenta construir capítulos bem diferentes dos que o levaram para a prisão.

Preso por participar de um assalto, Eric não pensa em cometer os mesmos erros, como ele mesmo define. Entrou no mundo do crime para manter uma vida de luxos que não podia ter facilmente. “Mas atalhos não compensam. Acho que deveria haver mais ajuda para preparação para o vestibular e o Enem nas prisões”, comenta.

Personagem raro nos presídios brasileiros, Eric era um dos 21 custodiados pelo sistema carcerário do Distrito Federal que fazia faculdade em 2011. Ao todo, Brasília era responsável por 9.822 detentos. No País, apenas 0,02% da população carcerária – que chega a meio milhão – estava no ensino superior no ano passado.

Os dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), do Ministério da Justiça, mostram que a quantidade de estudantes nos presídios é ruim em todas as etapas. Em junho de 2011, quando o último balanço foi feito pelo Ministério da Justiça, apenas 8,4% dos 513.802 detentos brasileiros dedicavam parte de seu tempo aos estudos.

Dentro de centros de detenção, se concentra uma massa de analfabetos ou de pessoas que aprenderam apenas a escrever o próprio nome ou ler frases curtas. Quase 88 mil das 513.802 pessoas que compõem a população carcerária do País se declaram analfabetas ou admitem ter passado pela alfabetização apenas.

Dos 43.330 estudantes de 2011, 9.938 (23%) estavam nas turmas de alfabetização, 25.145 no ensino fundamental, 6.930 no ensino médio, 1.190 em cursos técnicos e 127 no ensino superior.

.: O atraso escolar dos presos

Do total da população carcerária brasileira (513.802 pessoas), apenas 43.330 estudam enquanto cumprem pena. Mesmo adultos, a maioria ainda está no ensino fundamental e poucos chegam à faculdade. Confira a distribuição dos estudantes por etapa de ensino.

.: Nova chance

A oferta de educação nos presídios faz parte das políticas de reintegração social dos detentos e é de responsabilidade de cada Estado. O Ministério da Justiça oferece recursos e ajuda na execução de projetos, mas as políticas educacionais podem variar e precisam fazer parte do planejamento dos sistemas penitenciários.

Hoje, um terço dos detentos do País tem entre 18 e 24 anos, faixa etária em que deveriam estar no ensino superior. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se tornou um incentivo, depois que passou a conceder certificado de conclusão da educação básica e ser usado como critério para distribuição de bolsas de estudo ou vagas em universidades, em 2009.

Apesar da melhora, o Enem ainda não foi capaz de mudar as estatísticas dos presos em cursos de graduação. Em junho de 2010, o número de presos no ensino superior, por exemplo, era de 145. Em junho de 2009, 100. Rafael dos Santos*, 34 anos, só se deu conta de que poderia voltar a estudar, depois de começar a trabalhar com Eric.

Apesar de ter passado no primeiro vestibular que fez para tecnologia da informação, acabou reprovado por faltas. Ele não conseguiu em tempo autorização do juiz para chegar mais tarde em casa. Todos os dias, Rafael precisa estar às 21h em sua residência. “É difícil recomeçar a vida e é preciso melhorar muitas coisas para nos ajudar. Mas tudo que vivi foi um aprendizado”, diz.

Adalberto Monteiro, diretor da Fundação de Amparo ao Trabalho do Preso do Distrito Federal (Funap), diz que a maioria só decide estudar por causa da remissão da pena. Hoje, a cada 12 horas de estudos, os detentos diminuem um dia de sentença. Neste ano, 1,8 mil presos estão estudando, segundo ele. “Faltam oportunidades para eles”, pondera.

Além disso, em muitos Estados, como no Distrito Federal, apenas quem já cumpre a pena em regime semi-aberto ou domiciliar pode cursar a faculdade. Em Brasília, há 3.407 detentos nessa situação. No País, são 72.414 no semi-aberto e 17.853 no aberto.

.: Redes de exemplos

Murilo Alves* e Carlos Oliveira*, ambos de 31 anos, são colegas no Centro de Progressão Penitenciária de Brasília e na turma da 5ª série do ensino fundamental. Têm aulas à noite, dentro do próprio centro de detenção, onde dormem, depois de trabalhar fora. Os dois admitem que o primeiro impulso para voltarem a estudar foi a remissão da pena.

“Mas eu também pensei que, quanto mais conhecimento eu tivesse, melhor para mim. Decidi aproveitar a oportunidade de estudar, ocupar meu tempo aqui, para tentar uma vida melhor lá fora”, afirma Carlos, condenado a 42 anos e meio de prisão. Depois de oito anos no sistema penitenciário, ele comemora a possibilidade de viver no CPP há oito meses.

Carlos trabalha em uma oficina mecânica durante o dia. Conseguiu o emprego com a ajuda da Funap, que hoje já não tem presos no CPP sem trabalho. Há cerca de 1 mil morando lá. “O mercado de trabalho está cada dia mais rigoroso. Quero um curso para entrar no mercado”, ressalta Murilo, que precisa cumprir 15 anos de pena.

Murilo e Carlos estão longe de chegar ao ensino superior, mas não querem desistir. Eles se espalhem em quem já deu passos um pouco maiores, como Marcelo Soares dos Santos, de 28 anos. Ele havia parado de estudar na 7ª série. Dentro do presídio, chegou ao ensino médio. Marcelo, por sua vez, mira o exemplo de “colegas” como Eric, que conseguiram mudar de vida.

“Eu tenho que ser sincero: se não fosse a oportunidade de trabalhar e estudar, a gente voltaria para o mundo do crime. É muito difícil recomeçar. Tive muito receio de como me receberiam. Mas hoje quero buscar o melhor para mim, para o meu futuro e dos meus filhos”, diz. Marcelo, que é pai de dois filhos, trabalha na Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que tem uma parceria com a Funap e oferece bolsas de emprego a detentos.

Marcelo, que cumpre pena por homicídio, passou nove anos em regime fechado. Ele conta que se emocionou quando andou de ônibus pela primeira vez depois desse período. “Foi incrível. Juro”, brinca. O jovem, que fez curso de espanhol na Universidade de Brasília (UnB) pela Funap, também participa do grupo de teatro do CPP.

“A gente diz que há quatro coisas fundamentais para que eles mudem: família, religião, estudo e trabalho. É isso que procuramos oferecer para eles”, ressalta Monteiro. As dificuldades, no entanto, são inúmeras. Falta espaço para turmas nos presídios, é preciso melhorar o valor das bolsas e aumentar os incentivos para o estudo. “Estamos no caminho”, diz.

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