Assassinato de Tim Lopes completa 10 anos

02 / 06 / 12

Barbárie de traficantes cariocas calou um dos melhores repórteres do país

Gaúcho de alma carioca, Arcanjo Antônio Lopes do Nascimento, o Tim Lopes, amava sua profissão. Repórter à moda antiga, cujo principal palco do seu trabalho é a rua e não as salas de ar-condicionado, escreveu seu nome na história do jornalismo ao conquistar o Prêmio Esso de Telejornalismo com a matéria Feira das Drogas, exibida em 3 de agosto de 2001 pelo Jornal Nacional, da TV Globo, onde trabalhava como produtor do principal telejornal. As imagens mostravam traficantes da Vila Cruzeiro, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, desfilando em motos armados de fuzis, vendendo drogas na rua com a maior desenvoltura.

No ano seguinte Tim voltou ao local quatro vezes para, de acordo com a versão da própria emissora à época, filmar um baile funk que, além das drogas, tinha menores e cenas de sexo. Um cidadão da comunidade teria ligado, pois cansado de pedir ajuda da polícia, decidiu apelar para a TV Globo. Infelizmente, a quarta incursão do repórter ao morro, no dia 2 de junho de 2002, foi fatal. Tim havia alugado um carro e combinado com o motorista para apanhá-lo às 22h. Como não apareceu na hora marcada, o motorista comunicou o fato na emissora. O registro do desaparecimento só foi feito no dia seguinte.

Tribunal de Marginais

Tim Lopes foi “detido” pelos bandidos André Capeta e Boizinho. Da Vila Cruzeiro o levaram para a favela da Grota, distante aproximadamente cinco quilômetros. No local foi reconhecido pelo bandido Ratinho – filmado por Tim limpando um fuzil durante a reportagem sobre a feira das drogas – que estava na companhia dos comparsas Elias Maluco, Zeu e Xuxa. Ratinho foi taxativo: Esse é o Tim Lopes. E ele vai morrer porque filmou a Feira das Drogas. O repórter foi condenado à morte por um improvisado tribunal de marginais, chefiado por Elias Maluco. Num ritual demoníaco e macabro, seu corpo foi esquartejado e jogado queimado num buraco envolto em pneus, denomiado pela marginalidade – como se fosse um forno – de microondas.

Seu desaparecimento foi notícia de destaque nos veículos de comunicação de massa. No dia 5 de junho a polícia confirmou sua morte. Sua identificação só foi possível, 33 dias depois, mediante um exame de DNA, do que restou de uma costela.

Tim não tinha de voltar tantas vezes na Vila Cruzeiro. A afirmação é da jornalista Cristina Guimarães, ex-funcionária da Rede Globo, onde trabalhou 14 anos, e que também foi vencedora do Prêmio Esso junto com Tim Lopes pela série Feira das Drogas. “Na época do Prêmio Esso falei com ele sobre os riscos de o seu rosto ter aparecido nos jornais”, lembra. “Infelizmente foi uma morte anunciada. Muito mais triste do que as pessoas imaginam”.

Falta de Segurança

Por meio de uma ação judicial do Ministério do Trabalho, Cristina Guimarães pediu seu desligamento da emissora por falta de segurança, após ter sido ameaçada várias vezes por traficantes da Rocinha, Zona Sul do Rio, onde esteve em três ocasiões filmando também uma feira de drogas. Além da Rocinha realizou o mesmo trabalho na favela da Mangueira, Zona Norte da cidade. Esteve no local em duas ocasiões. Cristina conta que, depois da primeira vez que foi em ambas as favelas, seus chefes reclamaram que as imagens não estavam boas e mandaram que filmasse de novo.

Mas, um mês depois da exibição da série na tevê, passou a ser ameaçada pelos traficantes e não obteve nenhum tipo de proteção da emissora. “Contei as ameaças em setembro de 2001. Mas os meus chefes diziam que as ameaças que eu recebia por telefone eram coisas da minha cabeça. Aí o episódio do World Trade Center tomou conta do noticiário. Foi mais importante do que a minha vida. Saí da emissora no dia 14 de novembro de 2001, com uma liminar do Ministério do Trabalho me afastando. Não me dando proteção, pois nem o juiz acreditou que a Globo tivesse feito o que fez comigo”, conta a jornalista que está escrevendo um livro, já em fase final, sobre o episódio do assassinato do Tim Lopes. “Tenho até a editora. Graça a Deus estou viva. Ainda posso falar. Posso até morrer amanhã. Mas pelo menos eu falei”, ressalta.

Hoje Cristina, que viveu alguns anos nos Estados Unidos, para onde foi depois de ter sido ameaçada, trabalha como free-lance para emissoras estrangeiras e dá aulas sobre jornalismo investigativo e produção de jornalismo.

Figura Pública

Assim como sua companheira de profissão Cristina Guimarães, Mário Augusto Jakobskind, autor do livro “Dossiê Tim Lopes-Fantástico / Ibope”, também compartilha da opinião de que Tim Lopes não deveria ter retornado ao local. “Tim, um bom jornalista, uma figura oriunda das classes populares, era talvez o único da equipe com condições de fazer a reportagem exigida. Só que a Globo esqueceu que ele já era uma figura pública depois de receber o Prêmio Esso de Telejornalismo. Foi apresentado em todos os jornais da emissora”, lembra. Jakobskind ressalta que Tim Lopes estava de férias e tinha planejado fazer uma reportagem sobre um dia na vida de um caminhoneiro. Mas a chefia da reportagem da Globo exigiu que ele voltasse à favela da Vila Cruzeiro. Foi reconhecido pelos traficantes assassinos, que queriam se vingar do que ele tinha feito e que afetou o lucro do setor.

Na sua opinião, após o episódio, nada mudou no jornalismo. “Na verdade, a corrida atrás da audiência continua. E nesse sentido, como o Rio é uma cidade violenta, fazer jornalismo cobrindo a violência é um risco. A filosofia da corrida atrás da audiência não se alterou desde 2 de junho de 2002“, assegura.

Fome de Audiência

O açodamento pela audiência continua. Isso é fato. Mas em determinadas circunstâncias houve mudanças na cobertura jornalística. Para o jornalista Elcio Braga, do jornal O Dia, onde Tim Lopes trabalhou antes de ingressar na TV Globo, seu assassinato acendeu o alarme nas redações cariocas. “Percebeu-se a necessidade de impor limites à busca por informações nas comunidades carentes dominadas pelo crime. Até então parecia imperar a noção de que os repórteres eram intocáveis. O jornalista chegava na entrada das favelas em dias de operação policial e precisava entrar. Quem hesitava ganhava a fama de medroso e se sentia recriminado pelos colegas. Vi muito colega ser questionado por isso, muitas vezes veladamente. Depois da morte do Tim, o número de repórteres que passou a não entrar mais nas áreas em conflito subiu muito”, revela.

Responsável pela investigação do caso, o comissário de polícia Daniel Gomes, que à época estava lotado na 22ª DP, no bairro da Penha, Zona Norte, afirma que o repórter não foi à favela para filmar baile funk. O objetivo era mostrar os traficantes armados vendendo drogas a céu aberto. “O Tim Lopes jamais fora àquele local filmar o baile funk, como foi propagado desde o início, e sim, filmar o tráfico de drogas e o seu armamento, fato que teria motivado sua detenção, reconhecimento, carbonização e morte, pois sendo agraciado com o Prêmio Esso teve sua figura publicamente divulgada”, assegura. E acrescenta: “Se a polícia fosse comunicada à meia-noite e entrasse na favela logo, Tim Lopes poderia ter sido salvo.”

A conclusão do seu inquérito foi contestada em editorial veiculado durante o Jornal Nacional. O fato acabou gerando seu afastamento do caso, por ordem da governadora à época, Benedita da Silva.

Policial experiente, há 28 anos na corporação, possui no seu currículo diversos casos solucionados, com curso de instrução policial nos Estados Unidos – CSI/Homicide -, Daniel Gomes afirma que cumpriu com o seu dever e o seu relatório foi elogiado pelo Ministério Público.

Antes de Tim, Depois de Tim

O repórter Tim Lopes teve a mesma postura, ou seja: cumpriu o seu dever. Seu assasinato, polêmicas à parte, mudou a visão de muitos profissionais em relação ao trabalho em áreas de risco. É o AT e o DT, antes de Tim, depois do Tim, como classificou o jornalista Percival de Souza, autor do livro “Narcoditadura (O Caso Tim Lopes, Crime Organizado e Jornalismo Investigativo no Brasil)”. “Assim é que vejo a reportagem, que prefiro chamar de criminal, porque não se restringe à polícia. Abrange Ministério Público e Judiciário, prisões, população carcerária, psiquiatria forense e criminogênese. A reportagem é a alma do jornalismo e Tim sabia fazê-la como muitos poucos”, frisa Percival, repórter dos mais experientes na área policial, que no momento trabalha na TV Record.

Na escalada do morro, Tim foi e voltou, mais de uma vez. E por quê? Porque gostava das matérias feitas com o máximo de perfeição. Posso garantir, tendo sido um dos poucos a ver o que ele havia gravado com câmera oculta, antes de ser capturado: qualquer um de nós, provavelmente, sentir-se-ia satisfeito com as imagens realizadas. Mas Tim queria mais e melhor.

AT, solidão na hora de fazer. E o retorno fatal aconteceu num domingo, depois das 20hs. DT, cautelas mínimas obrigatórias – contatos intermitentes, horários para contatos que garantam que tudo está correndo bem, descrições de situações suspeitas e de perigo. Os colegas de Tim perceberam isso quando, DT, saíam em combios de reportagem, num ato de precaução, e a bandidagem dos morros, postada em lugares estratégicos, aguardava-os passar para berrar: “vai ter mais Tim, vai ter mais Tim!” Quer dizer: “vamos matar mais repórteres”!

Segurança e Investimento Social

O Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, é composto por 13 favelas, abrangendo vários bairros. Em novembro de 2010 a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, com o apoio das Forças Armadas, fez um operação especial para tomar a Vila Cruzeiro. Os traficantes fugiram.

No dia 26 a PM, a Polícia Federal, Civil e Forças Armadas tomaram o Complexo do Alemão com o objetivo de tirar o tráfico da região, como foi feito na Vila Cruzeiro. O local passou a ser ocupado pelo Exército. A partir deste mês serão substituídos gradualmente por policiais miltares. A iniciativa foi um acordo do governo estadual e o Ministério da Defesa.

A região, além de contar com as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) possui três Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Estão previstas a instalação de mais oito até o final do mês. No ano passado foi inaugurado um teleférico pela presidente Dilma Rousseff. Liga a estação de Bonsucesso da Supervia até o ponto mais alto do Alemão. A subida do morro agora é feita em 15 minutos.

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