Golpe das Letras dormita há 5 anos na PF/AL

03 / 10 / 12

Escândalo de R$ 500 milhões endividou Alagoas, tem Lessa como protagonista, mas envolve Téo e Renan

O golpe da renegociação das Letras Financeiras do Estado de Alagoas, colocado em prática em 2002, pelo então governador Ronaldo Lessa (PDT), com aval dos então senadores Teotônio Vilela Filho (PSDB) e Renan Calheiros (PMDB), desde 2007 dormita nas gavetas da Polícia Federal de Alagoas, sem nenhuma conclusão.

O descaso com a investigação do golpe de R$ 500 milhões – que endividou Alagoas e serviu para ajuda na reeleição de Lessa – foi denunciado à Corregedoria Geral da Polícia Federal em Brasília. No entanto, ao invés de enquadrar os responsáveis pela demora na investigação do caso, o delegado Cláudio Ferreira Gomes, corregedor-geral da PF, disse apenas que “não verificou qualquer impasse em relação à tramitação do inquérito policial número 359/2007”.

O inquérito na PF foi aberto no começo de 2007 a pedido do Ministério Público Federal, com base na denúncia feita em 2006, pelo empresário paulista Antônio Carlos Santos Morais, que é um dos credores das Letras de Alagoas. Com o pagamento do deságio, imposto pelo governo Lessa, em 2002, para poder resgatar o que tinha investido nos títulos, ele teve um prejuízo estimado hoje em R$ 17 milhões.

Para poder viabilizar a renegociação das Letras, emitidas pelo governo de Divaldo Suruagy em 1996, Lessa contou com a participação direta dos senadores Téo e Renan. O primeiro assinou a Resolução do Senado e o segundo tratou de articular a provação da matéria junto aos senadores. A sessão do Senado que aprovou a Resolução foi presidida pelo então senador Edson Lobão, que colocou a matéria em votação.

Antônio Morais relata que a renegociação foi feita com a aceitação dos credores e com base numa lei estadual aprovada pela Assembleia Legislativa de Alagoas. No entanto, afirma que durante o pagamento do deságio a lei foi desrespeitada, porque alguns credores tiveram tratamento diferenciado, pagando um percentual diferente dos demais ou recebendo 100% do valor dos títulos resgatados.

Depoimento à PF

“Todas essas informações constam no meu depoimento à Polícia Federal de Alagoas, com riqueza de detalhes, mas infelizmente nenhuma medida foi tomada para responsabilizar os responsáveis pelo golpe”, afirma Antônio Morais. “Por isso, denunciei o descaso com essa investigação, no âmbito da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, à Corregedoria Geral da PF e ao Conselho Nacional do Ministério Público”, acrescentou.

De acordo com Morais, o escândalo das Letras de Alagoas foi quem deu origem à ‘Operação Taturana’ e tem ramificações até com as falcatruas do Mensalão, já que envolve o Banestado – Banco do Estado do Paraná, um dos credores das Letras. Segundo Morais, o governo do Paraná foi beneficiado com tratamento diferenciado, durante a renegociação das Letras, no governo Lessa. O lobista que intermediou a negociação foi apresentado ao governo do Paraná pelo então secretário da Fazenda de Alagoas, Sérgio Dória, um dos artífices do esquema.

Na época, o governo do Paraná só aceitou pagar o deságio de 36% do valor dos títulos – percentual comum aos demais credores – se os valores entrassem para os cofres de Alagoas em forma de “empréstimo”, para serem devolvidos dez anos depois. Esse acordo fere a lei que serviu de base para a renegociação das Letras, mas mesmo assim foi cumprido à risca com dois anos de antecedência pelo governador Teotônio Vilela Filho. Fere também a Lei de Responsabilidade Fiscal que veta transação desse tipo entre dois entes federativos.

Herança maldita

No entanto, na campanha pela reeleição, em 2010, Vilela tomou US$ 200 milhões empresados ao Banco Mundial, dizendo que esse dinheiro seria utilizado em projetos de desenvolvimento sustentável, mas uma parte significativa desses recursos – R$ 106 milhões – foi usada para pagar ao Paraná. E o mais grave: como a “empréstimo” feito por Lessa em 2002 e só venceria em meados de 2012, ao pagar o governo de Roberto Requião (PMDB) em 2010, Vilela o fez com dois anos de antecedência.

Coincidentemente foi por essa época que o governo Téo Vilela estava pagando também aos bancos que fizeram empréstimos consignados aos servidores públicos, nos governos de Lessa e seu sucessor Luiz Abílio. Os valores dos empréstimos eram retirados das contas dos servidores e não eram repassados aos bancos, configurando apropriação indébita. Entre os bancos que fizeram empréstimos consignados e não receberam estava o Pan-americano do empresário Silvio Santos.

Como o calote foi dado no final gestão Lessa/Abílio, a dívida ficou para ser quitada por Vilela. Os bancos tinham um crédito que estava vencido desde o início de 2007, mas só começou a ser pago em 2010, durante a campanha pela reeleição de Téo. Quem articulou o pagamento parcelado, no valor total de R$ 44 milhões, foi o secretário estadual de Planejamento, Luis Otávio Gomes, flagrado pela PF cobrando “taxa de retorno” dos diretores do Pan-americano.

“Taxa de retorno”

A “taxa de retorno” que teria sido cobrada por Luiz Otávio foi descoberta por acaso pela PF durante a investigação da falência fraudulenta do Pan-americano. O nome dele constava nos e-mails dos diretores do banco que pertencia ao apresentador Silvio Santos. Um inquérito policial foi aberto pela PF para apurar a denúncia contra Luiz Otávio. Por isso, há suspeita de pagamento de taxa de retorno também no pagamento dos R$ 106 milhões ao governo do Paraná, na gestão de Requião – que neste mesmo ano elegeu-se senador por aquele Estado.

Apesar de escandalosa, a Operação Alagoas/Paraná passou incólume pela mídia alagoana, que nunca deu o destaque que a negociata mereceria. Apenas alguns deputados estaduais de oposição, a exemplo de Judson Cabral, Olavo Calheiros e João Henrique Caldas, questionaram a decisão de Téo de usar dinheiro do empréstimo ao Banco Mundial – que deveria se usado em sua totalidade em projetos de combate à pobreza – para pagar essa dívida ao Paraná, com dois anos de antecedência e podendo até ser contestada na Justiça.

As irregularidades da Operação Alagoas/Paraná foram denunciadas pelo empresário Antônio Carlos Morais ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, no início deste ano. Na oportunidade, Morais pediu o bloqueio de todo e qualquer empréstimo que o governo alagoano esteja pleiteando junto a bancos internacionais. O pedido foi feito por e-mail, enviado ao gabinete do ministro, em Brasília, com vários documentos em anexo.

Correspondências

A primeira correspondência endereçada ao ministro, denunciando a Operação Alagoas/Paraná, foi encaminhada ao gabinete de Mantega no dia 13 de março último. Nela, Antônio Morais informa ao ministro que esteve também em audiência com Eduardo Coutinho Guerra, na Secretaria do Tesouro Nacional (STF), em Brasília. Nessa audiência, o credor entregou vários documentos referentes à renegociação das Letras e ao pagamento dos R$ 106 milhões ao governo do Paraná.

Na correspondência ao Ministério da Fazenda, Morais denuncia “a má utilização de fundos pelas autoridades do Estado de Alagoas” e pede ao ministro Mantega “que não mais sejam avalizadas novas solicitações de empréstimos pela citada unidade da federação a nível internacional, dado a sistemática utilização de meios e formas que afrontam os princípios mínimos de transparência com a coisa pública”.

De acordo com Antônio Morais, que foi diretor da dívida pública do Estado de São Paulo, o governador Teotônio Vilela teria sido mal assessorado, ao aceitar pagar o governo do Paraná com dois anos de antecedência, um débito que poderia ter sido contestado na Justiça. Afinal não consta que nenhum credor teve o percentual do deságio de 36% devolvido. Embora alguns credores teriam sido beneficiados com tratamento diferenciado, ou deixando de pagar o deságio ou pagando um percentual bem menor que o estipulado pela lei aprovada pelo legislativo alagoano.

Divida do Estado dobrou

Com a renegociação dos títulos, a dívida do Estado com a União, que no início do governo Lessa girava em trono de R$ 2,5 bilhões pulou para mais de R$ 6 bilhões no final de 2006. Mesmo assim, ouvido na PF sobre o escândalo da Letras, Lessa disse que a renegociação foi um bom negócio para Alagoas. Questionado sobre o que teria feito com os R$ 500 milhões que recebeu dos credores, durante o resgate do título, o ex-governador disse que esse dinheiro foi usado para pagar salários aos servidores e investimentos nas áreas sociais.

No entanto, não constam na prestação de contas de Lessa, do exercício de 2002, os gastos feitos com o dinheiro da renegociação das Letras. À época, o credor receber do Tesouro Nacional 100% dos valores referentes aos títulos alagoanos adquiridos no mercado financeiro e se comprometia de – ato contínuo – depositar na conta do governo de Alagoas os 36% referentes ao deságio cobrado por Lessa, para a transação ser consolidada.

O Paraná, que era um dos credores das Letras, não queria pagar o percentual do deságio, mas decidiu fazê-lo como se estivesse “emprestando” esses valores ao governo de Alagoas, para recebê-los de volta dez anos depois. Como o resgate dos títulos foi feito em 2002, o governo de Alagoas teria até meados deste ano, 2012, para pagar o Estado do Paraná. No entanto, a despeito a situação financeira de Alagoas, que não tinha dinheiro para nada, nem para contratar os concursados, o governo Téo Vilela decidiu pagar ao Paraná, com dois anos de antecedência.

Emrpréstimo do BIRD

De acordo com o secretário estadual da Fazenda, Maurício Toledo, o pagamento ao Paraná foi feito com os recursos que o Estado tomou emprestado ao BIRD (Banco Mundial), para projetos de desenvolvimento sustentável, pelo menos era o que dizia a Lei aprovada pela Assembleia Legislativa de Alagoas autorizando o empréstimo.

Enquanto os deputados alagoanos aprovaram o empréstimo ao BIRD, dizendo que o dinheiro era para projetos de combate à pobreza, dois dias depois, os parlamentares paranaenses aprovaram outra lei, autorizando o governo Roberto Requião a receber os R$ 106 milhões de Alagoas.

Além dos efeitos nocivos da Operação Alagoas/Paraná para o povo alagoano, na denúncia ao ministro e à Secretaria do Tesouro Nacional, Morais destaca a origem do problema: as irregularidades registradas no processo de renegociação das Letras, em 2002, durante o governo Lessa, e com a participação dos então senadores Renan Calheiros e Teotônio Vilela.

De acordo com Morais, durante a renegociação, foi grande o desrespeito à lei pelos integrantes do governo Lessa. Houve irregularidade no tratamento dado aos credores; na cobrança dos deságios e no uso do dinheiro arrecadado pelo governo Lessa – cerca de R$ 500 milhões. Essas irregularidades vêem sendo investigados pelas autoridades desde 2006, quando o esquema foi denunciado à Procuradoria Geral da República.

No entanto, até agora ninguém foi preso e não se sabe onde foram parar os R$ 500 milhões. Especula-se que esse dinheiro tenha sido usado na campanha de reeleição de Lessa e seus principais aliados, além de abastecer deputados estaduais e federais que colaboraram com a renegociação dos títulos.

Origem dos títulos

A origem das Letras, em 1995, durante o governo Divaldo Suruagy, foi considerada fraudulenta, já que para a emissão dos R$ 306 milhões em títulos públicos foi usada uma Portaria com a assinatura falsificada do ex-governador Fernando Collor, atual senador pelo PTB/AL.

Além disso, o governo do Estado usou uma lista de precatórios inexistentes, para justificar a emissão dos papéis. Na época, estava em vigor um decreto presidencial proibindo a emissão de títulos públicos, a não ser que fossem para pagar dívidas transitadas em julgado, os chamados “precatórios”.

O esquema foi montado pelo lobista Wagner Ramos, que era ligado ao ex-prefeito Celso Pitta e ao ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf. Além de Alagoas, embarcaram no esquema dos títulos públicos para pagar precatórios os Estados do Paraná, Santa Catarina e Pernambuco, além das prefeituras de Osasco e São Paulo.

O escândalo foi tão grande que criaram até a CPI dos Precatórios no Congresso Nacional, mas a investigação terminou não dando em nada, até porque envolvia dezenas de políticos no esquema. A revista IstoÉ chegou a publicar uma reportagem de capa, dizendo “Esquema Pitta, deu em Pizza”, com a foto do ex-prefeito de São Paulo dando uma de garçom, servindo uma generosa fatia da iguaria de origem italiana a um pacato cidadão.
Íntegra das mensagens encaminhadas ao ministro Guido Mantega:

São Paulo, 13 de Março de 2012

Ao
Exmo Sr. Ministro de Estado e Negócios da Fazenda
Dr. Guido Mantega
A/C: Chefia de Gabinete

Ref.: EM NOME DA TRANSPARÊNCIA

Prezado Sr. Ministro;

Tendo comparecido à audiência previamente agendada com Dr. Eduardo Coutinho Guerra na Secretaria do Tesouro Nacional, anexando documentos vários referentes à má versação de fundos pelas autoridades do Estado de Alagoas, venho mui respeitosamente pleitear de Vossas Senhorias, não mais sejam avalizadas novas solicitações de empréstimos pela citada unidade da federação a nível internacional, dado a sistemática utilização de meios e formas que afrontam os princípios mínimos de transparência com a coisa pública.

De: Antônio Carlos Santos Morais
Data: 20 de março de 2012 19:55

Assunto: Fw: Transparência

Para: gabinete.df.gmf@fazenda.gov.br
São Paulo, 20 de Março de 2012
Ao
Exmo Sr. Ministro de Estado e Negócios da Fazenda

Dr. Guido Mantega
A/C: Chefia de Gabinete
Ref.: Reiterando

Prezado Sr. Ministro;

Reitero informações abaixo. Apreciaria a confirmação do recebimento deste.

Atenciosamente:

Antônio Carlos Santos Morais
acmorais23@gmail.com

From: Antonio Carlos Santos Morais
To: gabinete.df.gmf@fazenda.gov.br
Sent: Tuesday, March 13, 2012 8:43 AM

Subject: Transparência

São Paulo, 13 de Março de 2012

Ao
Exmo Sr. Ministro de Estado e Negócios da Fazenda
Dr. Guido Mantega
A/C: Chefia de Gabinete

Ref.: EM NOME DA TRANSPARÊNCIA

Prezado Sr. Ministro;

Tendo comparecido à audiência previamente agendada com Dr. Eduardo Coutinho Guerra na Secretaria do Tesouro Nacional, anexando documentos vários referentes à má versação de fundos pelas autoridades do Estado de Alagoas, venho mui respeitosamente pleitear de Vossas Senhorias, não mais sejam avalizadas novas solicitações de empréstimos pela citada unidade da federação a nível internacional, dado a sistemática utilização de meios e formas que afrontam os princípios mínimos de transparência com a coisa pública.

Inteiramente ao dispor para maiores esclarecimentos que julguem necessários, firmo-me, com respeito e apreço.

Atenciosamente:
Antônio Carlos Santos Morais

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