Quadrilha: STF condena Dirceu, Genoino e Valério

22 / 10 / 12

Outros 6 dos 13 réus foram enquadrados no mesmo crime

O ex-ministro José Dirceu foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal, por crime de formação de quadrilha, por 6 votos a 4, na noite desta segunda-feira, na etapa semifinal do julgamento do mensalão. No item mais polêmico da peça acusatória do Ministério Público foram também condenados, pelo mesmo placar, os ex-dirigentes do PT José Genoino e Delúbio Soares; Marcos Valério e seus associados Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino e Simone Vasconcelos, do núcleo publicitário; os dirigentes do Banco Rural Kátia Rabello e José Roberto Salgado. No caso do réu Vinicius Samarane, também diretor do Rural, ocorreu um novo empate (5 a 5), a ser resolvido na sessão desta terça-feira juntamente com os casos idênticos dos seguintes réus: Valdemar Costa Neto e Jacinto Lamas (quadrilha); José Borba, Paulo Rocha, João Magno e Anderson Aadauto (lavagem de dinheiro).

Foram absolvidos – nesta etapa semifinal do julgamento – os réus Geiza Dias (Grupo Valério) e Ayanna Tenório (Banco Rural), que foram inocentadas, em etapas anteriores do julgamento, dos delitos de corrupção ativa e lavagem de dinheiro (a primeira), e de gestão fraudulenta e lavagem (a segunda). Como era de se esperar, o ministro-relator, Joaquim Barbosa – que tinha votado na última quinta-feira – foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ayres Britto. Os votos vencidos, na divergência aberta pelo ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, foram os de Dias Toffoli, Rosa Weber e Cármen Lúcia.

Relator e revisor

Na 38ª sessão de julgamento da Ação Penal 470, na última quinta-feira, Joaquim Barbosa concluíra – ao condenar 11 dos 13 os réus do item referente à quadrilha liderada pelo ex-ministro José Dirceu, conforme a denúncia do MPF – que Dirceu, Genoino, Delúbio, Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Tolentino, Simone Vasconcelos, Kátia Rabello, José Salgado e Vinícius Samarane, “de forma livre e consciente, associaram de maneira estável, organizada e com divisão de tarefas com o fim de praticar crimes contra a administração pública e o Sistema Financeiro Nacional, além de lavagem de dinheiro”. E que “tal conclusão decorre não de um ou outro elemento de convicção considerado isoladamente, mas sim da análise contextualizada de todo o material probatório analisado em seu conjunto”.

Logo em seguida, o ministro Ricardo Lewandowski citou argumentos das ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia quando do julgamento do item 6 da denúncia. De acordo com ele, as ponderações “contribuíram de forma significativa” para o debate teórico sobre a configuração precisa dos tipos penais analisados na ação penal. As duas ministras absolveram os réus julgados no item 6 pelo crime de formação de quadrilha, enquanto Lewandowski votara pela condenação dos acusados. O revisor mudou então o seu entendimento anterior para apoiar a tese de que o delito de formação de quadrilha (“quadrilha ou bando”, conforme o artigo 228 do Código Penal) tem como bem jurídico tutelado a paz pública, não no sentido material, mas “a situação de alarme no seio da coletividade. Ou seja, para tipificar o crime de quadrilha é preciso que haja uma conjunção permanente, com um acordo subjetivo de vontades, para praticar uma série indeterminada de outros crimes. Lewandowski também citou Cármen Lúcia, para quem o que caracteriza o crime de quadrilha é o liame permanente voltado para a prática de crimes em geral. Assim, o que teria havido foi a reunião de pessoas para práticas criminosas “diferenciadas”, que não tinham como objetivo colocar em risco a incolumidade pública ou a paz social.

Os outros votos

Na sessão desta segunda-feira, a primeira a votar foi Rosa Weber. Ela reforçou os argumentos por ela já expressos quando do julgamento de outros réus no item referente à chamada base aliada do primeiro Governo Lula, como Pedro Correa e Valdemar Costa Neto. Para Weber, o tipo “quadrilha ou bando” não se confunde com as figuras de associação criminosa ou organização criminosa. Segundo ela, só existe quadrilha quando há uma associação para a prática de “uma série indeterminada de delitos”. Além disso, destacou que o artigo 288 do CP está na parte do código intitulada “Crimes contra a paz pública”. Ou seja, refere-se a crimes em que haja “quebra do sentimento geral de sossego, de paz”, como é o caso de quadrilhas formadas para seqüestros ou assaltos à mão armada.

Cármen Lúcia também confirmou sua posição doutrinária de que o crime de quadrilha, para ser autônomo, exija que a organização seja permanente. A seu ver, no caso em julgamento, “não se comprovou uma associação para a prática de crimes, com fins a durar indefinidamente”. Além disso, voltou a sublinhar que o crime de quadrilha só ocorre quando “põe em perigo a paz social”, o que não ocorre em crimes como peculato ou corrupção passiva.

O ministro Dias Tollofi seguiu a divergência, sem fazer qualquer observação ou comentário.

A maioria

O ministro Luiz Fux foi o primeiro a aderir ao voto do relator Joaquim Barbosa, condenando, por formação de quadrilha, José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Kátia Rabello e quase todos os réus do núcleo publicitário-financeiro do esquema do mensalão.

Segundo ele, não havia mais no plenário “controvérsia fática, mas sim sobre questão de direito”. Afirmou que “restou incontroverso, neste julgamento, que três grupos se associaram para o cometimento de crimes”, e que existiu um “projeto delinquencial” já constatado por este plenário na condenação de vários réus por corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Além disso, ressaltou que os núcleos desta ação penal (político, publicitário, financeiro) atuaram por mais de dois anos, e todos os seus integrantes “sabiam o que estavam fazendo, como também já reconheceu este plenário, ao condená-los pelos outros crimes desta ação penal”. Disse mais que “não há coautoria quando um grupo atua conjuntamente durante quase três anos”. E enfatizou ainda, citando jurisprudência e doutrina, sobretudo de Heleno Fragoso, que os membros de uma “quadrilha” podem se associar mesmo sem se conhecerem pessoalmente, como no caso da Ação Penal 470.

Gilmar Mendes confirmou sua posição anterior – quando da condenação por quadrilha dos réus integrantes do PP e do PL – e fez uma nova descrição da atuação dos “núcleos” do esquema do mensalão. Segundo ele, a “engrenagem ilícita” criada pelos envolvidos “atendeu a todos e a cada um”, já que não foram atendidas, apenas, as demandas do PT, mas também resolvidos os problemas das empresas de Marcos Valério, dos partidos interessados e dos bancos envolvidos. E somou o terceiro voto favorável à condenação, por quadrilha ou bando, dos réus do núcleo encabeçado por José Dirceu, acompanhando na sua totalidade as manifestações de Barbosa e de Fux.

Marco Aurélio

Por considerar que estava proferindo um voto “no fecho deste julgamento”, o ministro Marco Aurélio dedicou a maior parte do seu voto à transcrição do discurso que proferiu, em 2006, quando assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral. Naquela ocasião, ele desaconselhou o então presidente do Senado, Renan Calheiros, de insistir em que o então presidente Lula comparecesse à cerimônia de sua posse, pois faria um pronunciamento referente a “uma década de escândalos” e, indiretamente, ao escândalo do mensalão, que então já ocupava as manchetes dos jornais. E leu, nesta segunda-feira, a íntegra daquele discurso, destacando-se a seguinte parte:

“Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam – o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mal houvessem feito. Faz de conta que não foram usadas as mais descaradas falcatruas para desviar milhões de reais, num prejuízo irreversível em país de tantos miseráveis. Faz de conta que tais tipos de abusos não continuam se reproduzindo à plena luz, num desafio cínico à supremacia da lei, cuja observação é tão necessária em momentos conturbados. Se, por um lado, tal conduta preocupa, porquanto é de analfabetos políticos que se alimentam os autoritarismos, de outro surge insofismável a solidez das instituições nacionais. O Brasil, de forma definitiva e consistente, decidiu pelo Estado Democrático de Direito. Não paira dúvida sobre a permanência do regime democrático. Inexiste, em horizonte próximo ou remoto, a possibilidade de retrocesso ou desordem institucional. De maneira adulta, confrontamo-nos com uma crise ética sem precedentes e dela haveremos de sair melhores e mais fortes. Em Medicina, crise traduz o momento que define a evolução da doença para a cura ou para a morte. Que saiamos dessa com invencíveis anticorpos contra a corrupção, principalmente a dos valores morais, sem a qual nenhuma outra subsiste”.

Depois dessa releitura, Marco Aurélio voltou à ação penal em julgamento, começando por fazer “justiça” ao então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, autor da denúncia que gerou a AP 470. “É irreprochável o trabalho acusatório neste processo. Mas há ataques. E também devo fazer justiça aos profissionais da advocacia, no sentido de que houve excessos na acusação”, afirmou o ministro. No entanto, segundo ele, o MPF “elucidou a distinção entre coautoria e formação de quadrilha”, já que o que se exige, em termos de ciência jurídica, para a tipificação do crime de quadrilha “é a estabilidade, a permanência, e não a simples colaboração esporádica, episódica”.

“Houve formação de uma quadrilha, e das mais complexas, com a constituição de núcleos financeiro e operacional, com o sintomático número de 13 (pessoas). A confiança entre as pessoas chegou a lembrar a máfia italiana”, concluiu Marco Aurélio.

Celso de Mello e Ayres Britto

“Nunca presenciei caso em que o delito de quadrilha esteja tão caracterizado. Entendo configurado todos os elementos que compõem a sua estratura. A quadrilha ou bando é um crime resultante da conjunção de três elementos: concurso necessário de pelo menos quatro pessoas, finalidade específica voltada ao cometimento de um número indeterminado de delitos e estabilidade e permanência da associação criminosa”, afirmou Celso de Mello, o decano do STF, no início do seu voto.

E acrescentou: “Formou-se, na cúpula do Poder, à margem da lei, um estranho e insidioso sodalício de pessoas, unidas por um vínculo estável que procurava dar eficácia ao objetivo espúrio por eles estabelecido – o cometimento de qualquer crime, agindo nos subterrâneos do poder, como conspiradores, à sombra do Estado para vulnerar e transgredir a paz pública. A essa sociedade de delinquentes o direito dá um nome: o de quadrilha ou bando”.

Celso de Mello assim concluiu o seu voto condenatório: “Estamos a condenar não atores ou agentes políticos, mas autores de crimes”. Último a votar, o presidente do STF, Ayres Britto, destacou que “a relação entre os partícipes de uma quadrilha não é de mera participação, mas sim de pertencimento”. E especificou: “essa palavra associarem-se traz também consigo algo de fidelização. Há uma liga das pessoas que se associam. Não se trata, apenas, de um concurso de pessoas”. Depois de uma série de comentários, deu por lido o seu voto, e acompanhou, na íntegra o relator Joaquim Barbosa.

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