Alagoas é ‘Terra de ninguém’ no Estadão

23 / 10 / 13

Editoral do jornal cita caso Ceci Cunha, morta poucas horas depois de ter sido diplomada deputada federal em 1998

O jornal O Estado de São Paulo publicou na sua edição do dia 19 de outubro de 2013 um editorai com o título “Terra de Ninguém”, onde emite opinião sobre a violência no Brasil. com destaque para pistolagem em Alagoas. Jornal cita o caso Ceci Cunha, morta depois de diplomada deputada federal em 1998. Na época, o caso ficou conhecido como “chacina da Gruta”, porque o crime aconteceu no bairro da Gruta de Lourdes: além da Ceci e do marido dela, foram assassinados mais duas pessoas ligadas à família da deputada.

LEIA A ÍNTEGRA DO EDITORIAL DO ESTADÃO:

Levantamento feito pelo repórter Leonencio Nossa, publicado pelo Estado (13/10), mostra que houve 1.133 assassinatos motivados por disputa de poder no Brasil nas últimas três décadas. A cada 11 dias, uma pessoa foi morta por razões políticas desde agosto de 1979, quando entrou em vigor a Lei da Anistia. O ano mais violento foi 2012, com 91 crimes, o que mostra a dramática atualidade do problema.

Tal fenômeno, que só atingiu esse nível graças à impunidade e à leniência dos partidos e das autoridades em relação aos acusados, é significativo dos obstáculos que o País enfrenta para atingir a plena democracia.

As investigações sobre esses casos enfrentam uma série de obstáculos e dificilmente chegam a alguma condenação. A polícia não indicou nem o autor nem o mandante do crime em 74% dos inquéritos enviados ao Ministério Público, embora a motivação política tenha ficado clara. Além disso, o Ministério Público apresentou alguma denúncia em apenas 15% dos casos que recebeu.

Há diversas possibilidades de desvios e ingerência no processo, a começar pela pressão sobre delegados de polícia, que são vinculados às Secretarias da Segurança Pública dos Estados. Já os promotores de Justiça muitas vezes são levados a abandonar determinadas denúncias em razão de interferência do Executivo estadual, segundo mostrou a reportagem.

São raros os processos contra políticos acusados de mandar matar seus desafetos – o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa atualmente dois casos. A julgar pelo histórico de protelações e chicanas, contudo, não se deve esperar que algum dos réus seja condenado e cumpra a pena.

O STF, por exemplo, levou 14 anos para encerrar o caso em que o deputado Aníbal Ferreira Gomes (PMDB-CE) foi investigado pelo assassinato, em 1998, do então prefeito de Acaraú (CE), João Jaime Ferreira Gomes, primo do parlamentar. O processo teve nada menos que três relatores no Supremo. Primeiro, foi arquivado por Nelson Jobim. Em 2004, a pedido do Ministério Público Federal, foi reaberto e analisado por Eros Grau, que em 2008 saiu do Supremo sem decidir sobre o assunto. No ano passado, o caso passou para o ministro Luiz Fux e acabou definitivamente arquivado. O deputado Aníbal, que nunca deixou de ser parlamentar ao longo de todo esse período, reafirma inocência.

O aumento dos crimes cometidos contra prefeitos coincide com o crescimento dos repasses federais às prefeituras, determinado pela Constituição de 1988. Entre 1979 e 1988, os assassinatos de prefeitos chegaram à marca de 1,3 por ano; de lá para cá, o número atingiu 2,6 por ano. O dinheiro é quase sempre a principal motivação – há casos de agiotas que financiam as campanhas e que mandam matar seus “clientes” se deles não receberem recursos federais como pagamento.

Os casos mais comuns de assassinatos políticos, no entanto, são os de parlamentares que são mortos, ao que tudo indica, a mando de seus suplentes, interessados em herdar a vaga. Um episódio recente foi a morte de Ceci Cunha (PSDB), eleita deputada federal por Alagoas, em 1998. Poucas horas depois de ter sido diplomada, ela foi assassinada com uma rajada de metralhadora por encomenda de Talvane Albuquerque, então no PFL, que era o primeiro-suplente – e chegou a assumir a cadeira de Ceci no Congresso em janeiro de 1999. Num processo que durou 13 anos, ele foi condenado a 103 anos de cadeia – um desfecho raro.

Não é apenas a lentidão da Justiça que favorece os mandantes de crimes políticos. Os partidos lhes dão abrigo e permitem que eles continuem na vida pública, gozando de privilégios legais e políticos. Às vezes sem saber, importantes lideranças partidárias aparecem em propagandas eleitorais pedindo votos a acusados de crimes.

Segundo o presidente nacional do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), a punição a esses acusados dentro do partido depende da conclusão dos processo na Justiça. “A grande reclamação é a quantidade de recursos dentro do processo, que acaba levando até 20 anos”, disse o senador. É essa lógica que explica a impunidade.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *