Clínica Médica diz que cólica é normal, dor não!
Ainda tabu, primeiro passo para enfrentar as cólicas é informação; veja relatos
Todo mês é a mesma história:TPM, irritação, alterações de humor e… cólica, muita cólica. O desconforto, comum a muitas mulheres durante o período menstrual, atinge cerca de 70% das brasileiras, segundo a Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
Com a professora Joana Campos, 33 anos, que começou a menstruar aos 11 anos, a cólica chegou bastante suave, “uma dorzinha fina”. “Passei a ter cólica mais intensa quando comecei a usar anticoncepcional, aos 19 anos. Não era uma dor incapacitante, mas me deixava muito desconfortável, irritada”, lembra. Foram mais de 10 anos sofrendo esses sintomas, que começavam tão logo chegava a menstruação.
Isso porque as cólicas costumam estar ligadas às contrações da musculatura do útero durante o período menstrual – o que pode ou não causar dor, dependendo também da sensibilidade de cada mulher.
Mas como ninguém que sente dor fica bem, uma das mais graves e preocupantes consequências das cólicas diz respeito à queda da qualidade de vida das mulheres; não à toa muitas desejam ficar quietinhas, recolhidas na cama, relegando para segundo plano os compromissos rotineiros.
Caso da publicitária Mirela Damasceno, 22 anos, que desde cedo foi obrigada a lidar com muito sofrimento durante o período menstrual. “Chegou ao ponto em que a menstruação passou a afetar completamente a minha vida. No período escolar, todas as vezes que ela chegava, eu tinha de deixar a aula e ir pra casa. Alguns professores não acreditavam, achavam que eu inventava”, relembra ela, que deixava de estudar, fazer atividades físicas e sair nesses dias.
O caso era tão sério que Mirela sempre levava para a escola (e depois para o trabalho) um relatório médico informando sobre suas cólicas incapacitantes e fluxo sanguíneo intenso, mais uma forma de justificar as ausências repentinas e idas frequentes ao banheiro.
Mas isso é normal?
“A cólica é algo fisiológico. O útero passa por todo um processo de preparação para eliminar a menstruação. Quando isso acontece, há a liberação de prostaglandina, substância que promove a contração do útero para expulsão do sangue. Quanto maior for a taxa de prostaglandina, mais intensas serão as cólicas”, explica a ginecologista Ticiana Cabral, especialista em vídeo-histeroscopia, modulação hormonal e ginecologia regenerativa funcional e sócia da Clínica EMEG, em Salvador.
Na medicina, as cólicas são conhecidas pelo nome científico de dismenorreia e classificadas em dois tipos. Mais comum, a dismenorreia primária é facilmente tratada com uso de uma medicação sintomática e não causa grandes limitações à vida social, sexual ou profissional da mulher. Já a dismenorreia secundária, menos frequente e mais grave, é resultado de doenças ginecológicas ou alterações patológicas no aparelho reprodutivo, como endometriose, miomas, tumores pélvicos, fibromas, estenose cervical, dentre outras.
O processo que envolve a cólica é fisiológico, faz parte do funcionamento do corpo da mulher. Isso é normal e não deve preocupar se a dor não é severa, capaz de trazer uma limitação ou diminuição da qualidade de vida.
Ticiana Cabral, Médica ginecologista
É entre a adolescência e o início da vida adulta, período em que o corpo está se adaptando às muitas mudanças hormonais, que as cólicas menstruais tendem a ser mais intensas, acompanhadas inclusive de náuseas, enxaquecas, vômitos e até desmaios. Ao longo da vida reprodutiva, a cólica é geralmente sentida imediatamente antes ou no momento em que o sangramento começa em cada ciclo. Elas duram cerca de 1 a 3 dias, podendo começar mais forte e ir melhorando com a passagem dos dias ou ser do tipo que vai e volta aleatoriamente.
Ainda que esse seja o quadro comum, é preciso que a mulher siga com suas consultas ginecológicas em dia e busque acompanhamento médico, especialmente se tais sintomas interferem muito no seu dia a dia.
“Somente aos 30, decidi colocar o DIU de cobre, numa tentativa de minimizar esse desconforto. Fui informada de que meu fluxo provavelmente aumentaria, mas arrisquei para ver se as cólicas iriam parar, já que não era um método contraceptivo hormonal”, explica a professora Joana Campos.
Com o DIU de cobre, ela passou a ter uma menstruação muito mais extensa, com duração de até 10 dias. “Só que eu também passei a sentir cólica uns cinco dias antes e durante toda a menstruação. Era praticamente metade do mês sofrendo com dores menstruais”, detalha. Diante dessa realidade e do desenvolvimento de um quadro de anemia, ela decidiu trocar o DIU de cobre pelo DIU hormonal. Hoje, segue com cólicas suaves, tomando remédios para aliviá-las quando necessário.
Já Mirela Damasceno, que sofria com dores muito intensas, buscou ajuda logo cedo. Depois de vários diagnósticos, incluindo o de que suas cólicas eram motivadas por vermes, ela finalmente descobriu aos 19 anos que tinha endometriose, uma doença inflamatória que faz com que o tecido que reveste o útero atinja outros órgãos, geralmente os ovários, a bexiga e o intestino. “Até essa descoberta os médicos não sabiam exatamente o que eu tinha, sabiam que eu sentia uma dor muito forte, que eu tinha um ciclo completamente desregulado e que minhas dores tinham muito a ver com meu estado emocional de estresse e ansiedade”, conta.
Minha menstruação sempre foi muito complicada. Eu ficava muito irritada, claro, porque ninguém que está sentindo dor fica feliz. Além disso, eu me sentia envergonhada e culpada, reflexo da sociedade machista e de a menstruação ainda ser um tabu. Eu me senti culpada por muito tempo!
Mirela Damasceno, Publicitária, 22 anos
Cólicas e dores menstruais precisam ser tratadas de forma integral. A professora Joana Campos percebeu isso quando, ao trocar de método contraceptivo com o único intuito de evitar as cólicas, viu seu fluxo menstrual aumentar ocasionando uma queda na na ferritina e um quadro anêmico. Precisou voltar ao ginecologista e buscar o acompanhamento de outras especialidades médicas, como endocrinologista e nutricionista, para regular as taxas de ferro.
Como nem toda cólica é igual, as mulheres têm mesmo de ter atenção redobrada aos próprios corpos: observar (e anotar) as datas que costumam sentir mais dor, em que período do ciclo e com qual intensidade isso acontece, além de determinar a área da região pélvica/abdominal. “Cólicas finas, difusas, que se prolongam por muitos dias fora do período menstrual, merecem atenção. Também é preciso observar o ritmo intestinal, já que muitas mulheres têm predisposição a gases”, alerta a ginecologista Ticiana Cabral.
Além disso, a cólica pode ficar mais forte por conta do uso de absorventes intravaginais, que atrapalham a contração uterina, ou mais fraca após a primeira gravidez, devido a alterações na musculatura do útero.
Não ponha sua dor de lado
Assim como muitas mulheres, Mirela foi desacreditada inúmeras vezes em sua dor e chegou a duvidar sobre se não estava exagerando e se queixando demais. Durante toda vida, viu pessoas perguntarem se sua dor não era “cena” e se ela não era “fresca” demais. No automático, ouvia: ‘ah, mas é só uma cólica, já já passa’. “Já ouvi isso de mulher, de homem, em emergência de hospital?”, lembra.
“Eu já cheguei a me questionar se eu não era dramática demais, se eu sentia a mesma cólica que as outras mulheres, se eu era muito sensível a dor. Por muito tempo eu me questionei tudo isso e isso foi muito cruel comigo mesma. Eu tentava fingir que minha dor estava suportável ao máximo e isso me prejudicava. O ser humano não foi condicionado a ficar sentindo dor o tempo todo”, diz.
E complementa: “Não tenho que ficar sentindo dor e me reprimindo porque os outros vão achar que isso é besteira. Hoje eu entendo que se estou no meu limite, eu vou me cuidar porque em primeiro lugar está meu bem-estar. Mas isso é muito delicado, porque a cólica é um assunto que as pessoas não buscam compreender e que tem muito preconceito”.
A sensação delas é real: a dor feminina costuma ser negligenciada e minimizada, inclusive pelas próprias mulheres. Isso faz com que haja receio e vergonha de falar sobre dores menstruais com amigos, familiares e até com o ginecologista. No entanto, admitir e cuidar da sua própria dor é o primeiro e mais importante passo para a conquista de uma qualidade de vida integral.
Não é só sobre o fim da dor física, mas da dor que pode ser mitigada com informação. Quem não conhece uma mulher que sofre todo mês com cólica e é taxada como ‘fresca’? Os colegas não aguentam mais, as famílias e parceiros não compreendem. É essa dor que tem cura, através da informação a gente pode mudar esse cenário.
Ticiana Cabral, Médica ginecologista
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