Nessa quinta-feira (2 de maio de 2022) completou 20 anos da morte de um dos maiores jornalistas investigativos do país. Tim Lopes foi sequestrado e assassinado por traficantes em 2002, enquanto fazia uma reportagem numa favela do Rio de Janeiro.
A indignação transformada em grandes reportagens. Tim Lopes era repórter com olhar apurado para defender a cidadania, tinha por ofício denunciar abusos contra os mais desamparados. Criava personagens para ficar ainda mais próximo da realidade: se passou por ambulante na praia, operário, dependente químico.
No dia 2 de junho de 2002, Tim Lopes se preparou para ir às ruas e, como sempre, queria mostrar de perto os problemas sociais. Ele pegou o equipamento de gravação para fazer um levantamento prévio sobre uma denúncia, que era praticamente um pedido de socorro de moradores de favelas da Penha, na Zona Norte do Rio.
As câmeras de segurança de uma portaria da TV Globo registraram as últimas imagens de Tim Lopes vivo. Era um domingo, 17h18. Tim deixou a TV Globo a caminho da Vila Cruzeiro. Repórter experiente, aquela era a quarta ida à favela, na parte baixa da comunidade, onde havia bares e até um parquinho de diversões.
As câmeras de segurança de uma portaria da TV Globo registraram as últimas imagens de Tim Lopes vivo — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
O jornalista já havia feito reportagens em favelas cariocas outras vezes. Um ano antes da morte, denunciou a feira das drogas a céu aberto na mesma favela onde foi assassinado. A série de matérias exibida pelo Jornal Nacional ganhou o Prêmio Esso e o Prêmio Líbero Badaró.
A falta de informações sobre o que tinha acontecido naquele 2 de junho foi um dos momentos mais dramáticos já vividos pelo jornalismo da TV Globo.
“Está desaparecido, há 48 horas, o repórter Tim Lopes, um dos mais premiados jornalistas da Rede Globo. Ele estava fazendo uma série de reportagens sobre bailes funk nos subúrbios do Rio”, anunciou o apresentador William Bonner.
O Jornal Nacional registrou o desaparecimento de Tim diariamente. Toda a imprensa brasileira, unida, também.
A polícia passou a fazer buscas permanentes pelo jornalista e encontrou partes do equipamento usado pelo repórter em um cemitério clandestino na favela da Grota.
Na mesma semana do assassinato, dois suspeitos foram presos. Em depoimento, confirmaram que Tim Lopes tinha sido brutalmente assassinado. O jornalista foi sequestrado, torturado, julgado e executado por traficantes comandados por Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco.
“Elias Maluco teria dado a ordem, e ele foi levado para a Grota. Lá na Grota, ele teria sido executado”, afirmou Zaqueu Teixeira, então chefe de polícia do Rio.
A notícia chocou o país, mobilizou o jornalismo brasileiro em busca de respostas e deixou uma redação inteira devastada, de luto pela perda de um profissional competente e um amigo querido.
Em julho, um exame de DNA confirmou que aos restos mortais encontrados em um cemitério clandestino no alto da favela era mesmo do repórter. Faltava prender outros suspeitos e punir todos os assassinos.
Três bandidos investigados pela morte de Tim morreram antes de ser presos. Dois meses depois, a polícia tinha encontrado quase todos, faltava o mandante do assassinato.
A prisão do chefe do tráfico veio em setembro, 109 dias após o crime: “8h45, um policial faz o sinal de positivo indicando que o bandido mais procurado do Rio estava nesta casa”, afirmou o repórter Eduardo Tchao. De bermuda, sem camisa e desarmado, Elias Maluco não reagiu.
Durante esse período, só o Jornal Nacional produziu e apresentou 300 minutos de reportagens cobrando a prisão e a punição dos criminosos.
A Globo cobriu a morte de Tim até que todos os envolvidos no crime fossem julgados e condenados, em 2005, por homicídio qualificado, formação de quadrilha e ocultação de cadáver.
Dos sete condenados, apenas um ainda cumpre pena; três estão em liberdade condicional; um está foragido; e dois morreram, inclusive o mandante do assassinato: Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, encontrado morto dentro do presídio onde cumpria pena.
A morte de Tim Lopes é considerada um atentado à democracia. O jornalista se tonou um símbolo na luta pela liberdade de imprensa, e as entidades de defesa dos diretos humanos afirmam que a trajetória dele, marcada pela obsessão em denunciar a violência e as desigualdades sociais, é um exemplo cada vez mais atual.
“A morte do Tim Lopes, até hoje, é uma grande ferida. Ela nos trouxe uma clareza sobre a importância de nós trabalharmos para garantir a segurança dos jornalistas no exercício da profissão. Esse é um compromisso com o qual todos nós devemos estar conectados e engajados. Garantir a segurança dos jornalistas e o livre exercício da profissão é um compromisso de todos nós, porque a liberdade de imprensa e a prática do bom jornalismo são pilares essenciais da democracia”, destaca Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora e representante da Unesco no Brasil.
Homenagem a Tim Lopes — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
A Associação Brasileira de Imprensa fez uma cerimônia para homenagear Tim Lopes, com discursos de amigos e antigos companheiros de trabalho.
“Tim desapareceu uma semana depois de batizar minha filha caçula, Cecília, hoje com 20 anos. As fotos do batizado ganharam o mundo depois que ele sumiu da nossa vida para nunca mais. E vamos combinar que ele era gaúcho por um acidente de percurso. Disse eu: ‘Tim Lopes, você é o gaúcho mais de araque que eu conheço, meu parceiro’. E ele, abrindo um sorriso, falou assim: ‘Meu irmão, eu só nasci lá. Eu sou é do Rio de Janeiro”, conta o jornalista Alexandre Medeiros.
O presidente da ABI, Octávio Costa, destacou a dedicação e a determinação de Tim Lopes ao fazer jornalismo investigativo.
“A liberdade de imprensa interessa a toda sociedade, a toda sociedade. Se você não tem imprensa, se você não tem liberdade de expressão, evidente que você não tem um Estado Democrático de Direito, você não tem. As pessoas, para início de conversa, ficam desinformadas, como já ocorreu nesse país no tempo da censura”, afirma Octávio Costa.
Homenagem a Tim Lopes no Centro do Rio — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
Também teve homenagem na Cinelândia, no Centro do Rio – uma instalação para que a população conheça mais sobre o jornalista – e uma missa celebrada aos pés do Cristo Redentor para lembrar Tim Lopes. A família e os amigos falaram de como Tim era intenso, no trabalho e na vida.
“Ele passava na mãe para dar um beijo, para tomar um café, um almoço, um lanche da tarde e queria saber de um por um da família. Então, era um cara muito afetivo, muito querido”, conta Tânia Lopes, irmã Tânia Lopes.
“Muito atencioso, muito carinhoso, muito gentil. Uma preocupação de uma denúncia social. Então, acho que ele conseguiu diversificar um pouco a maneira de se praticar jornalismo, sempre ouvindo os outros, perto, chegando junto”, diz Bruno Quintella, filho de Tim Lopes.
Foi uma vida dedicada a ouvir as vítimas de injustiças. Hoje, em todas as reportagens que defendem os direitos dos brasileiros, sempre se poderá ouvir também um pouco da voz de Tim Lopes.