Reinaldo

Ação dos intelectuais

Carta dos intelectuais ao governo brasileiro revela miopia incomum ao meio, e não esconde zelo com nova ministra da cultura.

A carta de reivindicações dos intelectuais do Rio de Janeiro à Presidente da República Dilma Rousseff (PT), encaminhada na semana passada, é a própria demonstração do zelo com a nova ministra da Cultura, Ana de Hollanda, irmã do compositor e cantor Chico Buarque de Hollanda, cuja nomeação resultou da pressão política-eleitoral do setor ao novo governo.

O grau de comprometimento dessas pessoas com o novo governo é tão umbilical que chega a ser vergonhoso: a impressão que se tem é de que eles vivem em outro mundo, onde não há problema agrário seríssimo, educacional, de saúde, de comunicação e de inclusão social.

A princípio, nesse ambiente político, nada mais comum e justo que o encaminhamento de reivindicações após a eleição de um candidato, especialmente depois da indicação de um ministro de Estado.

Há anos esse setor ignorou com crueldade quando a atriz Fernanda Montenegro, a maior dama do teatro brasileiro hoje – espécie de Edith Piaff – não aceitou o convite para ser ministra da Cultura. No coração e na mente de alguns intelectuais, Montenegro continua ministra da Cultura sem nunca ter sido.

Quando a nomeação de ministros de Estado resultar de pressões populares e não de lobbies políticos viciados haverá mais chances de atendimento das aspirações da população.

O que se observa, entretanto, na lista de reivindicações dos intelectuais brasileiros, é a distância entre ela e as grandes necessidades da população. Não que os pedidos listados sejam desnecessários, mas, frente a outras carências urgentes e gritantes e que, de outra forma, influenciam negativamente o funcionamento da sociedade, não deixam de ser acessórios e superficiais.

Pergunta-se: será que pela análise desses intelectuais subscritores do documento não estaria na hora de o governo se abrir mais à sociedade, estimulando uma inserção social pelo modelo participativo? Desde quando a questão agrária saiu da agenda de preocupações dos intelectuais?

José Saramago, escritor português e Nobel de Literatura de 1998, falecido ano passado, saiu sem alarde várias vezes das Ilhas Canárias, na Espanha, onde morava, para participar de assembleias do MST, no interior do Brasil, onde era ouvido e dava sugestões, surpreendendo a intelectualidade brasileira por ter uma militância política tão clara e ostensiva sem haver por trás dele um partido político.

Saramago era tão perceptivo e aparentemente onipresente que incomodava até o primeiro ministro da Itália, Silvio “Beliscone”, que adora um escândalo para manter-se sempre na mídia. Saramago chamava-o de “pedófilo descarado” em seu blog. O escândalo mais recente dele, envolvido sexualmente com uma brasileira de menor idade, prova isso.

O brasileiro com mínima consciência política sabe que, se a agricultura familiar defendida pelos movimentos agrários produzir pelo menos a metade dos alimentos consumidos no Brasil, os preços cairão pela metade, a taxa anual de inflação se estabilizará e os especuladores entrarão pelo cano.

Como um tema desses pode ficar fora da agenda da intelectualidade brasileira? Que intelectualidade é essa que se ausenta de influenciar os temas sociais principais, entre eles a reforma agrária?

Percebe-se, com esse comportamento, um trejeito comum ao ambiente social e político do país: não criar constrangimentos à nova presidenta? Mas desde quando intelectual se preocupa com constrangimentos? Perguntaria Antonio Gramsci, estudioso italiano que não se conteve em criticar a própria intelectualidade da sua época, mostrando a conivência deles com o poder. Entre nós, desde Gilberto Gil ministro, essa conivência virou promiscuidade. Vamos ver se haverá uma interrupção dessa postura agora.

O leitor poderia perguntar: qual a postura correta dos intelectuais em relação ao poder? De observação e independência política. Mas eles podem participar do poder? Sim, podem e devem, com independência e senso crítico.

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