Geraldo
Aos 50 anos, o balanço – III
O Partidão
Eles eram poucos.
E nem puderam cantar muito alto a Internacional.
Naquela casa de Niterói em 1922.
Mas cantaram e fundaram o partido.
Eles eram apenas nove, o jornalista Astrojildo, o contador Cordeiro, o gráfico Pimenta, o sapateiro José Elias, o vassoureiro Luís Peres, os alfaiates Cendon e Barbosa, o ferroviário Hermógenes.
E ainda o barbeiro Nequete, que citava Lênin a três por dois.
Em todo o país eles eram mais de setenta.
Sabiam pouco de marxismo, mas tinham sede de justiça e estavam dispostos a lutar por ela.
Faz sessenta anos que isso aconteceu, o PCB não se tornou o maior partido do Ocidente, nem mesmo do Brasil.
Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis tem de falar dele.
Ou estará mentindo.
(Ferreira Gullar)
____________
O mergulho na militância política foi para mim uma alternativa real em contraponto à vida fácil, da boemia, por um lado, e de emprego garantido como funcionário público, sem que houvesse a necessidade de prestar concurso, por outro. A generosa oferta foi por mim recusada; preferi caminhar em sentido contrário.
O entendimento que adotei conscientemente indicou um rumo diferente das orientações familiares. Num primeiro momento causou um choque, no mínimo um espanto, mas como tinha iniciado no final da década de 1970 os contatos com a militância de esquerda emergente no movimento estudantil, a partir de 1979, descortinou-se a oportunidade de entrar para o PCB em Alagoas. O fato de fazer parte do pequeno núcleo reorganizador do Partidão fez com que eu amadurecesse rápido em todos os sentidos.
Passei a dividir responsabilidades com outros companheiros, alguns bem mais velhos, outros nem tanto, mas a vontade de organizar o Partido ocupava todo o meu tempo, apesar da minha insegurança, fruto essencialmente da pouca idade e da grande responsabilidade que me impus em trabalhar diuturnamente na reconstrução de uma organização política que andava totalmente desarticulada no estado, o que me deixava tenso.
Os embates internos deram outra dimensão aos primeiros anos de militância partidária. Os castelos erguidos por mim foram caindo, e outras realidades se sobrepuseram. Fui me dando conta de que aqueles homens eram comuns e passíveis de erros e de acertos, com virtudes, vícios e vicissitudes também. Nada que fosse de um outro mundo; tudo era normal e, para tanto, a superação dos entraves organizacionais só foi possível com a entrada de novos militantes para, como se diz habitualmente, oxigenar o ambiente.
A vontade de criar uma nova estrutura partidária provocou inevitavelmente atritos, e a relação de amizade e camaradagem em muitos instantes foi rompida. A possibilidade de alterar a “hegemonia” interna passou a ser um objetivo a ser perseguido por mim e pelos companheiros. Tudo era doloroso. Estavam envolvidas relações afetivas e emocionais que acabavam por ter um peso significativo na estruturação e condução do trabalho de (re)organização do PCB.
Os contatos desse núcleo reorganizador com a direção nacional aos poucos foram ampliando a figura do “assistente da direção”. Antes, em 1980, duas visitas, a do jornalista Gildo Marçal Brandão e a do médico e sindicalista Agrimeron Cavalcanti da Costa a Alagoas, abriram veredas que pareciam largos caminhos em direção ao centro do Poder.
A presença do velho dirigente comunista Nilson Miranda também contribuiu para energizar a jovem militância. As vindas a Alagoas do historiador Dirceu Lindoso, que vivia no Rio de Janeiro desde 1965, foi importante e transmitiu confiança ao trabalho de uma novíssima geração de dirigentes e militantes comunistas.
Os novos foram sendo recrutados, e eram essencialmente homens; poucas mulheres fizeram parte desse núcleo. Duas delas que se destacaram no trabalho foram Réa Silvia Pedrosa e Cristina Amélia Pereira. A primeira, alagoana de Anadia, e a segunda, portuguesa de Évora. O trabalho duro de viajar, reunir-se pelos bairros de Maceió e em cidades do interior, a advogada Réa Silvia fez com uma dedicação quase sacerdotal.
As ligações com o passado continuavam a ser mantidas através das figuras de Antonio Omena [ex-motorista], Mario Correia [ex-portuário], Rubens Colaço [ex-borracheiro], José Graciano dos Santos [ex-operário] e Mozart Verçosa Damasceno [comercianate]. Desses, o que mais me impressionou e continua até hoje a me chamar a atenção foi o velho operário têxtil José Graciano. Analfabeto, pobre, família numerosa, mas de uma dedicação invejável ao Partido. Íntegro. Jamais ouvi reclamações do velho Graça. Para mim foi o maior exemplo de homem que conheci. A forma que o criou se quebrou, como se diz na gíria interiorana.
O caso específico da Cristina Amélia exigiu nos primeiros anos cautela. Por ser de nacionalidade portuguesa, havia impeditivos na lei dos estrangeiros, e a militância política era um deles. Mas nem por isso Cristina deixou de trabalhar; trabalhou duro na retaguarda, quase clandestina. Organizada, disciplinadíssima, trazia o mais importante: a experiência de ter sido militante da juventude comunista do Partido Comunista Português.
Os desafios eram maiores que as nossas idades e experiências na arte da organização partidária. Este imprensado que vivíamos: de um lado o gigantismo do PCdoB e dos seus aliados; do outro, o conservadorismo das forças políticas, enfileiradas no PMDB, sem deixar de considerar que se tratava dos que combateram a ditadura em maior ou menor grau.
A participação nas eleições com candidatos próprios foi a prova de que tínhamos de participar desse mundo ainda desconhecido. Uma espécie de zona cinzenta. Escolher candidatos nem sempre é uma coisa fácil; o processo eleitoral é sedutor e envolvente, não é difícil identificarmos os candidatos ou os que estão em sua volta envolvidos com irregularidades, com o ilegal. A “conquista do voto” invariavelmente é como se fosse um imã, um vale-tudo. O ilegal transita da compra propriamente dita do voto ao tráfico de influência e à distribuição de benesses – na maioria das vezes públicas: são favores, empregos etc.
Transitar nesse ambiente foi um rito de passagem para o amadurecimento que chegou em meio às lutas, com derrotas e vitórias.
Viagem a Moscou
Surgiu a possibilidade de ser enviado a Moscou, onde participaria de um curso na Escola Internacional de Quadros do Partido Comunista da União Soviética. Essa proposta foi inicialmente aventada pelo assistente político da direção nacional, Francisco Inácio de Almeida, ainda no início da década de 1980.
Fiquei com essa ideia em minha cabeça, achei-a interessante e, para ser honesto, passei alguns anos sonhando com a possibilidade. Mas, por outro lado, uma conversa muito franca com Nilson Miranda me deixou com a pulga atrás da orelha. O experiente comunista me disse: “Só vá para URSS quando terminar o curso universitário”. O argumento do Nilson era correto e abria a minha cabeça para não voltar do curso e me tornar um funcionário político do Partido.
Esse argumento, acabei aceitando-o, e realmente em 1984, quando estava no final do curso de História e havia me preparado para viajar, discuti com o assistente político da direção nacional a melhor maneira de realizar este projeto. Fiz parte de uma turma de quinze pessoas de vários estados. Antes de embarcar fui a Recife me encontrar com Natanael Sarmento, então dirigente do PCB em Pernambuco, com quem obtive informações que foram de grande valia.
A minha ida para Moscou era uma espécie de abertura de uma nova geração de comunistas que seriam formados na antiga URSS. Durante muitos anos vários militantes e dirigentes de Alagoas foram enviados para o Leste europeu. Haviam ido: Dirceu Lindoso, Nilson Miranda, Wladimir e Anivaldo Miranda, Paulo Elisiário, Rubens Colaço.
Natan era meu velho conhecido e parceiro dos carnavais em Olinda; aliás, era em sua casa onde eu me hospedava durante os festejos carnavalescos. Para lá vinham companheiros conhecidos e também outros convidados e convidadas que não sabiam sequer quem era o dono da residência, mas que rapidamente se tornavam íntimos ou intimas, quase amigos de infância, e com liberdade suficiente para convidar outras pessoas, como namorado(a), ou simplesmente se encostar para curtir o porre.
A militância política no velho PCB me ensinou como se fosse uma universidade − mais que qualquer universidade, para ser sincero. A minha formação como cidadão, devo ao Partido. Faço uma ressalva: é que no PCB encontrei e convivi com homens e mulheres dignos, na grande maioria, mas também conheci canalhas e gente indigna com barbicha, barba ou sem pelos no rosto.
Sumariamente e sem qualquer ressentimento, cheguei à conclusão de que a atividade política é insalubre e periculosa muitas vezes. A opinião pública vem dando as costas para os que exercem essa atividade, isso não é novidade para ninguém. A desconfiança que se tem dos políticos e da política, convenhamos, é justificável, pois esta se tornou infelizmente um caso de polícia.
Este Blog é independente, todo conteúdo é de responsabilidade do seu idealizador.
Relacionadas
CSA e CRB fazem primeiro clássico do ano
CSA e CRB, as duas maiores forças do futebol alagoano, fazem no próximo sábado (5/2) o primeiro clássico do ano. Azulão e Galo se enfrentam pelo Campeonato Alagoano de 2022, pela primeira vez nesta temporada. O duelo, marcado para 17 horas, terá presença de torcedores, mas com o público limitado, por conta da pandemia do…
Alagoanos morrem soterrados em Franco da Rocha
Família alagoana está entre mortos no deslizamento de barreira em Franco da Rocha, na grande São Paulo Victor, Adriana e o filho do casal, de 1 ano e meio, eram de São Miguel dos Campos (AL) e moravam em São Paulo há cerca de um ano. Parentes de Alagoas acompanhavam buscas na cidade paulista. Deslizamento…
Mestre Laurentino morre aos 93 anos
Patrimônio Vivo de Alagoas, Mestre Laurentino morre aos 93 anos José Laurentino Sirilo, mestre do Guerreiro alagoano. Ascom/Secult Morreu no último domingo (30/01), o Mestre de Guerreiro José Laurentino Sirilo. Ele era considerado ‘Patrimônio Vivo de Alagoas’ desde 2015. O enterro ocorreu na segunda-feira (31) no povoado de Perucaba, no município de Penedo. A morte se…
Prefeito do Pilar deixa o PSC e se filia ao MDB
O prefeito do Pilar, Renato Filho, mudou de partido. Deixou o PSC e é o mais novo filiado do MDB de Alagoas. A ficha de filiação dele foi assinada na noite da última quinta-feira (27/01), em reunião na sede do partido, no bairro Mangabeiras, em Maceió. Durante o encontro que reuniu candidatos a deputados estaduais do…
Sem-terra fazem manifestações em Maceió
Trabalhadores rurais sem-terra – ligados à Frente Nacional de Luta (FNL), Terra Livre, Movimento de Luta Pela Terra (MLT), Liga dos Camponeses Pobres (LCP) e Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL) –, iniciam nesta segunda-feira (31/1) uma série de manifestações em Maceió, com o objetivo de defender a reforma agrária e ter acesso a parte…
Centrão busca apoio em cidades pequenas para manter domínio no Congresso
O Centrão, bloco de partidos que dá as cartas na política nacional, tem o controle quase absoluto de boa parte das pequenas cidades do País, uma base capaz de se perpetuar independentemente das eleições presidenciais deste ano. Um levantamento feito nas últimas semanas pelo Estadão revela que o grupo considerado fisiológico tem votos em quase todos os municípios…
AL continua na fase amarela e Renan Filho vai anunciar retomada de eventos de entretenimento
O governador Renan Filho (MDB) deve anunciar nesta quinta-feira (23), a retomada gradual dos eventos de entretenimento. O novo decreto de distanciamento social controlado para o estado de Alagoas foi publicado ontem (23), na edição Suplementar do Diário Oficial do Estado e vai até o dia 30 de setembro. O decreto foi prorrogado por mais…
NA FASE AMARELA POR MAIS 7 DIAS, ALAGOAS LIBERA PÚBLICO DURANTE OS JOGOS OFICIAIS DA SÉRIE B
Secom Alagoas Alagoas seguirá por mais sete dias na Fase Amarela do Plano de Distanciamento Social Controlado, segundo decreto publicado no Diário Oficial do Estado na última quarta-feira (22). O documento que liberou, com público de até 30%, a realização de jogos oficiais do Campeonato Brasileiro de Futebol – Série B entrou em vigor na…
Renan Filho assina ordens de serviço durante aniversário de 59 anos de Olho d`Água do Casado
O governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), esteve em Olho d`Água do Casado, no Sertão, para participar da festa de emancipação política da cidade, que completa nesta quarta-feira (22) 59 anos. Durante as festividades, o gestor estadual recebeu o título de cidadão casadense, concedido pela Câmara Legislativa Municipal. Renan Filho aproveitou a ocasião para anunciar…
Alagoas sai na frente no combate ao AVC
Com o programa “AVC dá Sinais”, quatro hospitais já estão aptos para o atendimento e a meta do Governo é chegar a dez unidades especializadas até novembro; utilização de aplicativo com tecnologia japonesa agiliza conduta médica Identificar e tratar adequadamente os casos de Acidente Vascular Cerebral (AVC) são os objetivos do programa lançado nesta segunda-feira…
Série C: CRB dispensa meia Bilu e mais três
Com vitória por 3 a 0, o CRB chegou aos cinco pontos e assumiu a vice-liderança
Usuário já pode tirar a segunda via da CNH pela internet
Serviço está disponível no site do Detran; prazo de entrega é de 5 dias na capital e 10 dias no interior
Gazeta de Alagoas: 80 anos nas bancas
Mais antigo matutino de AL chega aos 80 anos com experiência de veterano