Aylton

AS SOBRINHAS DO SR. EURÍPEDES

Toda época de natal as duas irmãs vinham de Recife para o Passo de Camaragibe em férias de fim de ano
Eram hóspedes de seu tio, Sr. Eurípedes, um cidadão gordo, de classe média que morava ao lado da igreja matriz.
Meninas lindas, parecidíssimas. A mais nova devia ter 15/16 anos. A outra, entre 17 e 18. A primeira tocava violino maravilhosamente e a segunda era um gênio no acordeon.
Todas as tardes, perto das seis horas, faziam uma espécie de sarau para os convidados dos donos da casa, Sr. Euripedes/D. Léla onde eram servidos sucos (ponche) bolinhos de fubá e café. Coisa fina.
Eu, menino solto na rua, ficava do lado de fora encostado no muro ouvindo aquelas músicas que me transportavam para um outro mundo.
Nunca perdia nenhum recital tanto pela qualidade musical quanto pela beleza da dupla. Eu tinha mais ou menos uns doze anos.
Um dia…
Eu estava saindo da missa vestindo minha “domingueira”: Camisa valisère, calça tropical e sapatos Vulcabrás – herdado do meu irmão mais velho – quando de repente uma delas se dirigiu a mim. Tive uma tremedeira indescritível. Aí ela me falou: “Menino, eu e minha irmã notamos que você não perde um recital nosso.
Hoje você será nosso convidado. Pode entrar lá em casa, já pedi permissão aos meus tios.
Só não desmaiei porque estava bem alimentado, me confessado e comungado. Só disse isso: que bom!
“Hoje nossa apresentação é mais cedo. Começa às três horas. Não deixe de ir”.
Pronto: não pensei mais em outra coisa. Não disse nada a ninguém. Nem almoçar, almocei.
Um pouco antes da hora marcada tomei um belo e demorado banho. Troquei de camisa (outra valisère, de cor diferente), pedi pra minha mãe deixar a calça com vinco impecável, dei um trato no sapato e fui cumprir o meu destino.
Tomei um susto…
Ao chegar. Não tinha nenhum convidado. Só as duas, o “Seu” Eurípedes e d. Léla. Em cima da mesa tinha três tipos de sucos, frutas e bolinhos. Parecia um pique nique.
Aí começaram a tocar. Cada música mais bonita que a outra, principalmente francesas (chique à época), italianas e algumas que eu gostava mas não entendia bem.
Em dado momento a que tocava violino me perguntou qual música que eu gostaria de ouvir. Eu, nervoso, disse que gostava muito das que se tocava durante a semana santa ( tinha na cidade um serviço de alto falante, que em respeito ao Senhor só rodava a que se denominava sacra).
Ela parou por um momento e falou em voz alta: É isso aí…música clássica!
-Ô meu Deus, foi um dos melhores momentos de prazer da minha vida.
Iniciaram com As Quatro Estações de Vivaldi.
Deram um tempo e tocaram Pour Elise, de Beethoven. Fizeram um curto intervalo e deram um show com a Nona Sinfonia.
Encerraram com Jesus, Alegria dos Homens de J. S. Bach. Para a alegria daquele menino do interior, que sem saber (como elas mesmo disseram) tinha um gosto apurado por musica de qualidade.
Quando terminou o sarau, foi que me informaram. Eram alunas do Conservatório Musical do Recife e tinham como professores, Guerra Peixe e Cussy de Almeida e que aquele encontro foi feito especialmente para mim.
Saí de lá como se estivesse nas nuvens. Como se estivesse no céu. Se eu morresse naquele momento, morreria com um sorriso largo.
Depois daquele encontro nunca mais passei por lá para não perder o encanto do momento quer marcou minha vida.
E o tempo passou…
Nos fins dos anos noventa fui passar um carnaval em Porto da Rua. Ao caminhar em direção à praia vi uma senhora parecidíssima com uma das irmãs. Não sei se era a Lucy ou a Neide (os nomes delas).
E em plena folia passei ao seu lado assoviando a Nona.. Ela parou de repente, me olhou, olhou, olhou e seguiu em frente.
Tenho certeza de que era uma delas e ela teve certeza que era eu, um menino que sonhava e que até hoje se emociona quando ouve uma bela música. Clássica, de preferencia.
Lucy e Neide estarão sempre na minha memória. No meu coração!

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