Ricardo Rodrigues
Lembranças do Brasil Tri-campeão Mundial
Domingo, 21 de junho de 1970. Brasil e Itália iam disputar a final da Copa do Mundo do México. O time que ganhasse levava a Taça Jules Rimet. Se desse a nossa seleção, seria o tri. O nosso time já estava escalado pelo técnico Zagalo, por sinal alagoano, como nós torcedores, daquela Maceió dos anos 70. Em plena Ditadura Militar.
Morávamos na Rua Ouvidor Batalha, na Pajuçara, numa casa com varanda na frente e um enorme quintal, cujo o muro dava para o Cemitério de Jaraguá. Meu pai, dono de bar, mandou o caminhão da Brahma passar por lá e deixar umas caixas de cerveja e outras de refrigerante: coca, fanta e guaraná.
Logo cedo, começaram os preparativos. A tevê da sala foi para frente da casa, em cima de uma mesa e com duas caixas de som, uma de cada lado. Cadeiras foram espalhadas pelo local. Não deu para quem quis. Na hora do jogo, à tarde, só os de casa e alguns convidados viram a partida sentados A galera da rua, que não tinha tevê, teve que assistir de pé.
O País parou pra ver a Seleção jogar. Nas rádios tocava direto o hino do escrete canarinho: “Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, salve a Seleção”. As ruas, tingidas de verde e amarelo, esvaziaram-se. Quase não passava carro. No silêncio, daquele entardecer ensolarado, dava para ouvir o vento tremular as bandeirolas, antes de tocar o sino.
A bola começou a rolar logo após o almoço – caprichado por dona Maria, com direito até a ketchup e sobremesa de sorvete tricolor. Em homenagem ao Rivelino, o “patada atômica”, craque do Fluminense. A seleção entrou em campo com Felix, no gol; Brito, Piaza, Carlos Alberto e Everaldo, na zaga; Clodoaldo, Gerson, Pelé, no meio; Jairzinho, Tostão e Rivelino.
Fogos pipocavam no ar, espalhando enorme barulho, toda vez que a Seleção fazia um gol. Nos lares, famílias inteiras se juntaram para assistir ao jogo. Afinal, era a primeira Copa do Mundo exibida pela tevê, ao vivo e a cores. Vinte anos depois da televisão chegar por aqui, nos anos 50. A narrada emocionava levantava a galera, naquela enorme emoção.
Enquanto isso, nos porões da Ditadura Militar, os generais do poder, “ensinavam-nos antigas lições”. O cacete comia, contra quem se opunha ao regime, por ideologia ou não. Como protesto, havia nos muros pichações, denunciando as torturas e xingando um tal CCC – Comando de Caça aos Comunistas.
No entanto, para nós, crianças ou pré-adolescentes, as questões políticas eram ignoradas. Nosso assunto era um só: futebol. A bola era como amuleto, estava sempre com a gente. Dormíamos com ela. Até na hora do jogo, ela estava lá, do lado. Paradinha. Na hora do intervalo, entrava em cena, nem que fosse para um “picadinho”.
Boleiros de tradição, gostávamos também do futebol de botão. Cada um com seu time, o meu era o Flamengo, de Zanata a Zico. No futebol amador, nosso time era o Cruzeiro da Pajuçara. Camiseta branca e cinco estrelas pintadas de azul no peito. O primeiro e único a ter uma mulher na sua escalação: a Capitã Adelaide. Era a nossa zagueira, uma espécie de xerife do time, dentro e fora de campo.
Certava vez, escrevemos o Cruzeiro no campeonato do bairro, para jogos no Campo do Apolo Onze, nome dado em homenagem a nave especial que chegou à lua pela primeira vez. Na hora do jogo de estreia, quiseram barrar Adelaide, porque ela era mulher. O juiz da partida, conhecido por Zé Doido, manteve nossa zagueira e ainda validou um gol que ela vez na banheira.
Mas no Estádio Azteca, o jogo era outro, não tinha brincadeira e era como subir ladeira. O Brasil enfrentava a Itália e uma altitude danada, já que a cidade sede ficava bem acima do nível do mar. Preparados pelo Cláudio Coutinho, que fizera estágio na Nasa, nossos jogadores esbanjaram energia, suaram a camisa e num esquema zum-zum-zum golearam a Itália por 4 a 1.
Os gols do Brasil foram marcados por Pelé, Gerson, Jairzinho e pelo nosso capitão Carlos Alberto – cujo feito ficou conhecido como "gol da consagração". Do time, o rei era Pelé, mas o único que fez gol em todas as partidas – o Brasil venceu todas, não perdeu e nem empatou, foi Jairzinho. Ele era a sombra do Pelé, que pela fama estava sempre muito bem marcado, deixo o ponteiro botafoguense solto para deitar e rola.
Ditaduras à parte, como era bom ver aquela Seleção jogar.
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