Reinaldo
Operação Extermínio
Fantasmas de carne e osso e com armas afiadas desafiam as frouxas investigações para descobrir quem são os matadores e esquartejadores de 36 moradores de rua em Alagoas.
Parece brincadeira, mas não é: elites de Alagoas querem manter pioneirismo em tudo, inclusive na ação dos grupos de extermínio de mendigos em plena restauração democrática. No começo de novembro, temeroso de que essa cultura se espalhe pelo país, o Governo Federal compareceu a uma reunião em Maceió, por meio da Secretaria Nacional da Segurança Pública da Presidência da República, quando pediu o empenho das autoridades locais para acabar com os grupos de matadores.
Contraditoriamente, uma semana depois, a mando do governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho, o secretário da Defesa Social, Paulo Rubim, ex-delegado federal aposentado, saiu-se com essa: “Não existem grupos de extermínio em Alagoas.” Mas não explicou quem já fuzilou, esquartejou e esfaqueou os 36 moradores de rua. Como o impossível de vez em quando acontece em Alagoas, supõe-se que, se não foram os grupos de extermínio, quem serão os matadores?
O início do extermínio dos moradores de rua em Maceió, assunto que só tomou as primeiras páginas dos jornais locais depois que a imprensa nacional se interessou, caso contrário passaria despercebido, foi detonado a partir de uma constatação lógica das elites locais, que transmitiram à população uma idéia famigerada e que permanece na cabeça dela até hoje: a de que a defesa dos direitos humanos é coisa de bandidos, pois foi depois disso que o banditismo e a criminalidade aumentaram tanto no Estado.
Observa-se que até a época do “bandido bom é bandido morto”, o banditismo não campeava no Estado. O setor a alojar essa idéia foi aquele mais conservador, que abrigou a implantação da ditadura militar de 64 mesmo antes dela se instaurar, desenvolvendo, no Nordeste, um núcleo concentrador de renda exemplar para todo o país.
Por outro lado, cresceu uma cultura ainda incipiente, segundo a qual a defesa dos direitos humanos diminuiu a violência policial macabra contra os cidadãos comuns, a prisão sem a devida ordem judicial, cujo marco legal é a Constituição de 1988. A certeza de que instituições como a OAB, com a redemocratização do país, passariam a dar cobertura jurídica a pessoas injustiçadas ou acusadas sem provas, ao que parece transmitiu confiança a uma fração da população mais sujeita a cometer irregularidades, às vezes por força da sua situação social.
Com sua 36ª vítima em menos de três meses, toda a estrutura do governo estadual se compromete. Principalmente depois de duas declarações contraditórias. Num dia, o secretário Nacional de Segurança Pública da Presidência da República diz em Maceió que grupos de extermínio estavam em ação em Alagoas. No outro, o secretário de Defesa Social do Estado negou a existência deles, sem apresentar qualquer argumento. Apenas seguiu a orientação do governador Teotônio Vilela Filho para desmentir o representante federal, e determinou que, até o final de novembro, ninguém da Polícia Civil poderia se pronunciar sobre o assunto.
Entretanto, os exterminadores têm deixado em seus crimes marcas típicas de manifestações de classe. E a lentidão das investigações pelo lado da Polícia Civil e do próprio Ministério Público demonstram o desinteresse do governo estadual em esclarecer e punir os responsáveis pelo massacre. No dia 22 passado, uma comissão mista formada pela Polícia Civil e da Força de Segurança Nacional reuniu a imprensa em Maceió para mostrar os primeiros resultados das investigações: sete pessoas presas (entre as quais cinco policiais), e 36 assassinatos até agora, dos quais 13 consumidores de drogas. As investigações vão continuar até o final de novembro, quando a Força Nacional deixará o Estado.
O fato é que a contínua ação dos criminosos fez alguns sociólogos politicamente independentes acreditar que o problema do extermínio atual é diferente do ocorrido há alguns anos. Pois, agora, segundo eles, há claros sinais de intolerância social: o nível de pobreza das classes menos favorecidas tem aumentado nos últimos 10 anos, o que retira dessas pessoas a chance de ter até um barraco numa favela para se esconder.
Como a cúpula da segurança pública não encontrou ainda substância nas investigações sobre a responsabilidade dos grupos de extermínio, não será surpresa se daqui para a frente as investigações demandarem a busca de fantasmas para atribuir responsabilidades. Fantasmas de carne e osso e com afiadas armas de esquartejamento dos moradores de rua. Se não se fizer justiça, a ação de extermínio em curso em Alagoas tende, infelizmente, a se perpetuar.
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