Wicca: bruxaria escondida em Maceió

17 / 02 / 14

Num mundo obcecado pela ciência, ainda tem aqueles que encontram magia no universo

A rotina do jovem Thomás Oliveira, 23, não se difere da maioria dos universitários. Ele administra o tempo entre o trabalho como atendente de cinema e os estudos do curso de farmácia. Igual a qualquer cidadão maceioense, caminha com atenção às ruas para se precaver dos assaltos de uma cidade com altos índices de criminalidade. Porém, caso vivesse três séculos atrás, a marcação seria cerrada e, quem sabe, teria o mesmo destino da heroína francesa Joana D’Arc: a fogueira.

Bruxo assumido, Thomás se apaixonou pela religião Wicca há nove anos. Em um mundo obcecado pela ciência e a razão, crer na força dos elementos da natureza e na proteção de um deus e deusa pode ser tentador, ou blasfemo, dependendo do ponto de vista. No entanto, ele não é o único da capital que deixou os conceitos cristãos para se ingressar no neopaganismo. De acordo com pesquisa realizada pela União Wicca do Brasil (UWB), o Nordeste é a terceira região com mais wiccanos no país, com 37 mil adeptos, só perdendo para o Sudeste e o Sul, respectivamente.

O censo do Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, mostra que cinco milhões de brasileiros praticam religiões ainda não especificadas na pesquisa. A Wicca é uma delas que ainda não consta como opção no questionário. Estima-se que, em 2012, o país possuía cerca de 290 mil wiccanos. Hoje, essa marca pode ter se ampliado.

Na contramão das religiões que conseguem adeptos abordando porta a porta, a Wicca ganhou força com a internet. Existem diversos canais no site YouTube que ensinam como fazer a auto iniciação, citam os códigos de ética e sugerem livros e mais livros para estudos. Segundo o universitário, o que mais o encantou na Wicca foi a liberdade de repensar o que é denominado sacro pela sociedade. “Eu crio a minha própria visão do sagrado sem deixar de ser wiccano e nem deixar que outras pessoas digam no que tenho que acreditar”.

A Wicca, também chamada de “A Arte”, crê que existam mundos paralelos ao real e que o contato dessas dimensões é possível a partir de rituais, oferendas e magias. Voltada à natureza, a religião considera que as plantas, as pedras e os animais têm, na realidade, os mesmos valores perante a natureza, a Grande Mãe. Conforme sua ideologia, a Wicca não crê e nem cultua o diabo ou demônios, ambos personagens cristãos e judaicos.

INQUISIÇÃO DENTRO DE CASA

Embora as fogueiras tenham ficado nos livros de história, os wiccanos sofrem com o preconceito dentro de casa, um tipo de inquisição familiar. “Cresci numa família católica e a minha decisão de deixar o catolicismo foi um choque. Ser um wiccano é ter coragem de viver e não ter vergonha de assumir seus próprios medos. É acreditar que há mágica em todas as coisas e que sempre é possível encontrar um lado positivo”.

Therezinha de Oliveira, 35, é bruxa e técnica de enfermagem. “Quando digo que sou wiccana, as pessoas me olham como se tivesse uma doença contagiosa e tudo isso porque as igrejas cristãs pregam que somos adoradores do diabo”, conta. Quanto à intolerância religiosa, teme pela segurança do filho ainda criança. “Nós sofremos muito com o preconceito das pessoas, principalmente dos nossos familiares. Todo dia me pergunto o que vai acontecer com meu filho.”

COVIL E A MÍDIA

A reunião de bruxos é denominada coven. Juntos, wiccanos praticam magias, veneram a natureza e celebram dias especiais, como a troca das estações do ano. Thereza é uma das organizadoras do Coven “Círculo da Deusa” e as celebrações ocorrem nas residências de cada membro, ou em épocas específicas, em contato com a Mãe Natureza. “A Wicca não é Harry Potter, é uma religião como qualquer outra e queremos respeito. Também é uma filosofia de vida”.

O que ainda reforça o preconceito é a mídia e o cinema. Ora tratam as bruxas como mulheres injustiçadas e incompreendidas, ora como vilãs sem escrúpulos que veneram os sacrifícios de animais. É só voltar um pouco à infância para lembrar como as bruxas eram retratadas em desenhos animados preparando poções temperadas a asas de morcegos e patas de aranhas.

Séries que trazem bruxas como protagonistas não faltam. O sucesso adolescente Sabrina – A Aprendiz de Feiticeira, Charmed e a terceira temporada de American Horror Story – Coven, são alguns desses exemplos. “Quase nenhum filme ou série captura em sua essência o que nós somos. Quando falamos em relação aos novos praticantes, elas, com certeza atrapalham, já que estes podem vir à Wicca apenas com o intuito de obter poder e coisas de seu interesse, ou pensando que vai conseguir fazer o que estão nos filmes”, finaliza Thomás.

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